Portugal e Angola: Relacionamento e Ingerências

As relações de Portugal com Angola são, no quadro de uma ampla diversificação das relações externas, um elemento chave de uma política de defesa dos interesses nacionais. Assim como as relações com os restantes países de língua oficial portuguesa.

São-no agora, como o foram desde a independência destes novos países. E face ao rumo de então, não foi nada pacífico o relacionamento com aqueles países sobretudo com Angola, levando ao caricato de Portugal ser um dos países que mais tarde reconheceu a independência daquele novo país.

Durante anos a fio PS, PSD e CDS estiveram unidos contra não só reconhecimento da independência, como mais tarde contra o desenvolvimento das relações entre os dois países.

Aqueles três partidos comprometeram-se no apoio à UNITA o que impedia o aprofundamento do relacionamento com a ex-colónia.

Por amor à verdade houve gente naqueles três partidos que se pronunciaram em sentido contrário ao das suas direções.

As relações com Angola estão muito para além dos governos por um conjunto de razões que qualquer português ou angolano compreende. Não saber ou não querer corresponder esta realidade é um péssimo serviço prestado ao país.

A machadada na UNITA com a morte de Savimbi e a reorientação de Angola criou novas possibilidades para em Portugal se reajustarem as políticas em relação àquele país.

O MPLA virou o seu azimute e abandonou muito do seu passado ideológico para se colocar hoje no campo das orientações neo liberais, o que nem, por isso, muda a importância das relações entre Portugal e Angola.

Ora não deixa de ser curioso e um pouco contra natura que o PCP ( o partido que mais lutou pelo reconhecimento pelo direito de Angola à independência e pelo desenvolvimento das relações com aquele país) apareça ao lado do PSD e CDS na Assembleia da República a propósito de um voto de reparo face às condenações dos ativistas angolanos “apanhados” a ler um livro na casa de um deles.

O partido que mais tem lutado e, em geral bem, para pôr governos na rua fazendo-os cair, não devia aceitar que fossem aplicadas penas de cadeia pesadíssimas para os angolanos oposicionistas do governo do MPLA , que nem sequer organizaram manifestações a pedir a sua queda.

Ora é preciso deixar claro que a solidariedade de homens e mulheres livres que se batem por princípios nucleares da vida em comunidade nunca poderá ser confundida com ingerência nos assuntos internos de outro país.

Quando alguém é condenado a pesadas penas de prisão por ter opinião diferente dos governantes e entender associar-se para refletir sobre essas opiniões o que se está a pôr em causa são princípios fundamentais em que devem assentar as nações.

Não é por acaso que os artigos 19º, 20º e 21º da Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhecem, como direitos inalienáveis, o direito de opinião, expressão, reunião e associação.

Ora o reparo face às penas, a reclamação pela carga das condenações, a exigência de um recurso limpo, sem ingerências do poder político é uma atitude de valor universal que não pode ser vista como ingerência, nem como solidariedade aos ativistas.

Não se pode exigir liberdade apenas para os que pensam de um certo modo; a liberdade é um bem para todos os cidadãos que a respeitam, incluindo para aqueles que pensam de maneira bem diferente dos governantes.

Ingerência nos assuntos internos de um país é que faz a cada passo o Senhor Schäuble quando pressiona o governo português a seguir as orientações de empobrecimento que ele pretende impor ao país e nem CDS, nem PSD se prestam a condenar semelhantes pressões e ingerências.

Os negócios de Portugal com Angola são muito importantes. Mas as negociatas entre gente dos dois lados para seu único proveito não são a melhor maneira de desenvolver as relações entre os dois Estados com base no respeito mútuo, na reciprocidade de vantagens e sem ingerências nos assuntos internos de cada um deles.

Quem tudo fez pelo reconhecimento da independência de Angola e pelo aprofundamento das relações entre ambos os Estados não deveria aparecer ao lado daqueles que estiveram sempre do lado de Savimbi, que tudo fizeram para que o MPLA não declarasse a independência e para impedir o aprofundamento das relações com o novo país.

Nem ao lado daqueles, no voto na AR, que fazem da pressão externa a sua própria força contra as aspirações do povo português a uma mais desafogada e com o mínimo de dignidade.

6 pensamentos sobre “Portugal e Angola: Relacionamento e Ingerências

  1. Francisco Santos

    Estavam apenas a ler um livro? Seria sobre o Pai Natal? Mais uma história da carochinha. O futuro fará luz sobre estes acontecimentos. E se o BE fizesse mea culpa sobre o que se passa na Libia e na Ucrânia? Os da Praça Maidan também só liam livros sobre direitos humanos, como sabemos agora.

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    1. Meu querido amigo

      E se estivessem a organizar o quer que fosse, tal como tu ou eu podemos organizar?
      O DIREITO DE ASSOCIAÇÃO E EXPRESSÃO NÃO PODE SER APENAS PARA OS QUE PENSAM À LA CARTE
      …Eu posso ler os livros que me der na real gana…por que não podem os outros em qualquer terra do mundo lerem o que lhes apetecer…incluindo o de São Cipriano ou o Mein Kampf. Quem tem autoridade para dizer o que eu posso ou não posso ler?
      abraço

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      1. Francisco Santos

        Talvez saibas, ou não, que correm notícias diferentes sobre o que estes elementos estariam a planear. Basta ler o Folha 8 ou o Maka para entender que se pode dizer mal do governo de Angola sem ser detido. Era bom que se conhecesse o conteúdo das provas judiciais que estiveram na base da condenação. Não são públicas?
        Quando ou onde eu disse, ou preconizava, que era proibido, aqui ou em Angola, a leitura de qualquer livro?
        Já agora, deixaste sem resposta a questão do BE em relação ao apoio que deram ao golpe fascista na Ucrânia, com a concomitante ilegalização do PC, e ao golpe na Líbia.
        Parece que são amigos do peito do Rafael Marques que, segundo a Wikipédia, seria funcionário do George Soros.
        Há portugueses que ainda não despiram o caqui. Dito de forma mais clara: são, mesmo que não queiram, neocolonialistas, incluindo os do BE.
        Abraço.

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  2. Caro amigo: no que se refere aos angolanos presos lembro-te a resolução política do Congresso Extr. de Loures, depois da hecatombe da URSS.
    LÁ DIZIAMOS QUE MUITAS VEZES CONFUNDIMOS A DEFESA DO SOCIALISMO COM ARBITRARIEDADES QUE SÓ VIERAM A DENEGRIR O IDEAL SOCIALISTA.
    O QUE SE ESTÁ A PASSAR EM ANGOLA NÃO TEM NADA DE JUDICIAL. NENHUM PAÍS QUE ASSENTE NUM ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO PODE PERMITIR QUE ALGUÉM SEJA CONDENADO POR FACTOS QUE NÃO CONSTAVAM DA ACUSAÇÃO.BASTA ESTE DETALHE PARA MOSTRAR O ARBÍTRIO.
    TALVEZ A IDA DO FMI EXPLIQUE MUITO COISA FACE ÀS MEDIDAS QUE PROVAVELMENTE IRÃO SER TOMADAS E QUE O CDS E O PPD APOIARÃO,
    QUANTO À INVASÃO DA LÍBIA FUI CONTRA E CADA VEZ MAIS ACHO QUE OS QUE FORAM CONTRA DEVEM SENTIR QUE SE CONFIRMARAM OS PIORES CENÁRIOS.SE O BE FOI A FAVOR É MAU.
    QUANTO À UCRÂNIA ESCREVI UM ARTIGO NO PÚBLICO EXPONDO OS MEUS PONTOS DE VISTA. NÃO ALINHEI NA DIABOLIZAÇÃO DA RÚSSIA. NEM ALINHO.MAS TAMBÉM NÃO ACHO QUE O PUTIN É UM PROGRESSISTA. FAZ A SUA POLÍTICA DE RESTAURAÇÃO DO CAPITALISMO NA RÚSSIA.
    ABRAÇO DE CAMARADAGEM

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    1. Francisco Santos

      Amigo Domingos: é evidente que não foram presos e condenados por estarem a ler um livro! Os fundamentos da condenação são públicos? Conhece-los? O que sei sobre métodos de desestabilização de alguns países, como a Jugoslávia, a Ucrânia, o Brasil, a Venezuela e outros, a partir de descontentamento popular genuíno, não tem nada de espontâneo.
      Não estava a comentar as tuas posições sobre a Líbia ou a Ucrânia, mas sim as do BE. Como sabes, a Simplesmente Marisa, o Rui Tavares e o Miguel Portas votaram a favor dos bombardeamentos da Libia. E o BE defendeu a revolta de Maidan e não deram ao menos um vagido aquando da ilegalização do PC local.
      Com todos os defeitos e todos os erros cometidos, sou um defensor intransigente do Partido e da sua utilidade actual na luta por melhores condições de vida para o povo português. Desconfio da natureza camaleónica do BE, cuja ideologia passou, em poucos anos, do mais abstruso estalinismo (vidé major Tomé e outros) para uma geometria variável oportunista, por vezes à direita da social democracia. Basta ver o enlevo como a comunicação social dominante e dominada os trata e, por contraste o Partido. É um verdadeiro cerco! Espero que consigamos resistir. Estarei sempre deste lado. Abraço.

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