ESTE PAÍS VAI MAL

Os media marcam significativamente o tempo da política. O que não passa nas televisões e não sai nos jornais é como se não existisse. Os atores políticos falam para os cidadãos através dos media. O tempo da mediação direta é quase nulo.  Têm, por outro lado, um papel que, a ser bem cumprido, é essencial para o debate das ideias. Sem ideias diferentes ou até muito diferentes resta o situacionismo, aquilo a que a linguagem popular designa como “são todos iguais e o que querem é apanhar-se lá em cima, mas com o meu voto não”.  Aqui medra a extrema-direita e todos os que se servem da democracia para a amordaçar já confessadamente.

Portugal é, neste momento, um exemplo de como o situacionismo mina a alma popular e leva à descrença nas virtualidades únicas e imprescindíveis da vida democrática. O grande problema dos portugueses é o custo de vida, a falta de habitação, a desgraça da seca, a desertificação de país que vai encolhendo e encostando-se ao mar que se expande, a falta de infraestruturas, designadamente o aeroporto de lisboa, o Ensino, a Saúde, e a Justiça. O empobrecimento aumenta, um, em cada três portugueses, vive mal. Falta decência à nossa vida coletiva.

Não é aceitável que o Estado e as principais autarquias não construam habitação social; a iniciativa privada constrói se quiser, mas é inaceitável que os impostos recolhidos deem para pagar a loucura dos banqueiros (nesta desgraça anunciam lucros fabulosos, sem baixar as taxas de juro) e não dê para minimizar a desastrosa situação de quem quer viver debaixo de um teto e não de uma ponte.

A seca está aí com muita força e a pergunta tem de ser feita, o que se está a fazer para impedir que o Sado desapareça ou outros rios sigam o mesmo fim? E para impedir a desertificação do território que faz fronteira com Espanha?

 O computador do adjunto de Galamba deve ter alguma importância, mas gastar horas, dias, semanas a debater o assunto é uma bizantinice e uma incapacidade das elites dirigentes para acertar o rumo da governação.

Pode o PS, sob pena de suicídio, ignorar a corajosa e democrática luta dos professores pelo Ensino e pelo futuro do país?

Pode o PS continuar a fechar serviços no SNS que vão abrir no setor privado e fazer de conta que as pessoas não se revoltam primeiro por dentro e depois nas urnas e nas ruas contra quem os despreza?

Pode o PS continuar este ciclo inenarrável de ver como a Justiça se degrada, apodrece desde o tempo até às prescrições e à vida sem vida dos funcionários judiciais?

O governo descarrilou, há ministros que pura e simplesmente não existem; há uma que a propósito da seca anunciou a grande medida- pedir a Bruxelas que declare a seca. Onde está a cabeça desta gente, cá ou lá?

E a oposição? Corre atrás de computadores, dos aviões, dos palcos caros, das ruas em obras para aumentar a rede do metro. Resta a senhora Jonet com um banco para os pobrezinhos, falta como na década de cinquenta do século passado cada família ter um pobrezinho. Azeitonas, pão e um copinho de vinho, pobretes, mas alegretes. Há oitenta anos.

 Corre ainda atrás dos Leopardos para a Ucrânia e questiona grosseiramente um Presidente de um país amigo com uma proposta de paz para a Ucrânia. Há mais interesse em mostrar a Washington que é preciso derrotar militarmente a Rússia e até prender Putin do que ouvir, estudar e responder a essa proposta.

Os media puxam pelos casos até à exaustão tentando agarrar os cidadãos pela barulheira em torno deles, parecendo que realmente o país é uma escadaria de casos sem fim à vista, criando a ilusão de que entre os partidos políticos tudo é a mesma coisa, matando esperanças de mudanças. A superficialidade virar-se-á contra os próprios media e correrão o risco de se nivelar no tamanho dos títulos.

Este país vai mal. Tem uma oposição de direita, o PSD, que quase nada de diferente tem a propor. Pois bem, se qualquer um dos partidos serve, os franceses, por exemplo, trocaram num abrir e fechar de olhos Hollande pelo seu Ministro da Economia, o liberal centrista Macron. Et par cause… Se, por outro lado, as esquerdas do PS continuarem a ver qual é a melhor e de costas voltadas, a orientação política continuará a vir de Bruxelas e Washington onde a música é cada vez mais a mesma.  

https://www.publico.pt/2023/05/18/opiniao/opiniao/pais-vai-mal-2050094

O deplorável espetáculo medieval do rei modernaço e da consorte, agora sim, com sorte

A coroação de um homem que tem um mordomo para o vestir e que acorda todos os dias com uma gaita de foles e que viaja com um criado que transporta o assento da sanita só podia acontecer num país que ainda vive o trauma de ter deixado de mandar no mundo.

O chamado Reino Unido encolheu e custa caro caber dentro dos seus limites e daí o rei que foi coroado rei de quinze países quando não o é, a não ser no passado. Há alguém que acredite que o rei Carlos III é rei da Austrália ou da Nova Zelândia ou da Jamaica ou da Antígua e Barbuda? Nem ele. O faz de conta é muito bonito. E serve para dar uma visão de grandeza. A ele serve-lhe às mil maravilhas, ao Estado inglês nem por isso.

Além do mais é um grande espetáculo de entretenimento e as televisões seguem ao segundo a coroação; as mesmas que têm uma caterva de comentadores a reclamarem que é preciso cortar nas gorduras do Estado. Pois bem, a coroação do rei custa ao Estado, segundo a Euronews, 280 milhões de libras, num país a empobrecer a olhos vistos, com o SNS a rebentar pelas costuras e com o extravagante Johnson e a não menos estouvada Liz Truss e o multibilionário Rishi Sunak a gastarem na guerra da Ucrânia o que não é empregue para impedir cada vez mais milhões de ingleses empobreçam.

Talvez pensar o futuro como se fosse o passado, o que como se sabe é impossível, resulte durante algum tempo em termos de psicologia social.

A Carlos III vai ser posta na cabeça uma coroa de ouro maciço e cheia de diamantes e pedras preciosas. Foi ungido para lhe confirmar o direito divino do monarca e da investidura em que receberá vários objetos que simbolizam diferentes virtudes e bênçãos.

Está fora de questão receber a virtude de ter uma relação sadia com os filhos e netos, bem como com toda a família. Isso é para os plebeus.

Os ingleses comportam-se como basbaques diante de tão deplorável espetáculo e custa ver o Partido Trabalhista enfileirar naquela cerimónia medieval a ser paga por quem vive mal.

Mas por cá, os nossos media, não quiseram ficar atrás e acompanharam ao segundo a coroação do monarca que acorda diariamente ao som de gaitas de fole e tem na comitiva um transportador de um assento da sanita para Sua Majestade poder defecar sem que o seu real CU se entupa se não sentir que aquele é o seu assento.

Costa, o négligé soigné contra o sonho de Marcelo

Andava confessadamente, em diversas ocasiões, na senda do sonho, à procura de uma alternativa ao governo do PS; às vezes a caminho de Viseu, ai Jesus que lá foi ele, outras vezes na sua atividade de comentador mor do reino. E mal Costa se descuidava, lá aparecia a falar das más notícias, tudo em direto.

Perseguia, no seu jeito négligé, Costa a costurar os remendos que cada dia iam surgindo no governo de sua inteira responsabilidade.

A maioria absoluta oferecida a Costa dava, pensava ele, para ter quem quisesse e como quisesse no governo, mesmo quando manifestamente tinha de mandar para casa gente imprópria para ser governante.

Na verdade, António Costa/PS foram dando mostras ao país que um governo de maioria absoluta é um perigo para o funcionamento pleno das instituições democráticas porque quem “domina” o parlamento é levado a crer que é rei e senhor, o que como se está farto de ver não é verdade.

A direita conhecendo o desígnio e o sonho de Marcelo e revelando uma incapacidade doentia para apresentar qualquer programa alternativo seguiu o exemplo do tonitruante Ventura, limitando-se a adjetivar o governo com uma agressividade nunca vista em termos de normalidade democrática.

A promoção de Ventura (veja-se o triste e repugnante episódio contra visita de Lula da Silva) tem levado o PSD e a própria a IL a entrar no campo gizado pelo trauliteiro encartado com mestrado e doutoramento na universidade de Steve Bannon, o extremista da extrema-direita dos EUA.

Marcelo o maior contorcionista que escrevia cartas a Marcelo a atacar a Oposição democrática em 1973 tinha em mente cozer o governo em banho-maria e chamar Montenegro, chegasse ou não o voto dos portugueses. À terça-feira falava da dissolução, à quarta da economia que estava a ir bem, à quarta vetava a eutanásia, à quinta aparecia de repente a dizer que era grave a guerra na Ucrânia, à sexta dependia e ao fim de semana era o que aparecesse; este era o plano para o governo cair de podre.

Só que enquanto dirigente político foi um fracasso total, perdeu sempre; só ganhou quando ganhou a televisão e mesmo aí porque o PS se sentia confortável com ele – veja-se bem o raciocínio com o que está a acontecer.

Costa é de outro tempero, está habituado a ganhar, mesmo passando por cima do seu camarada Seguro.

Costa, repete-se tem ares de négligé, mas é um négligé bien soigné e deve ter deixado Marcelo sem saber que comentário fazer, a não ser que discorda dele, como se não soubéssemos.

Vamos ter de esperar, a direita também e Marcelo idem aspas. Falta a ação decidida do povo português. Se os partidos à esquerda dessem as mãos e mostrassem a alternativa a esperança seria maior.

O vendaval ideológico da direita e os media

Há nos media portugueses um vendaval ideológico cujo objetivo é colocar os partidos da direita no governo. Fazem-no porque têm uma maioria absoluta de opiniões nos jornais e nas televisões. No setor público do Estado em vez de fazer diferente, garantindo uma verdadeira pluralidade, papagueiam a dominante.

De manhã à noite, incansavelmente, chafurdam na sua especialidade, a politiquice elevada ao grau absoluto.

O ataque sem tréguas ao governo, aproveitando as incapacidades e as vulnerabilidades da sua própria política de orientação neoliberal, não tem como contraponto uma outra alternativa. Escondem o objetivo deste jogo para juntar o máximo possível de confluências e derrubar o governo. Marcelo Rebelo de Sousa não resiste e cada dia que passa cumpre o seu desígnio de se ver livre da maioria absoluta do PS.

Um exemplo atual – a visita de Lula. PS e PSD têm a mesma posição sobre o conflito na Ucrânia. De que se havia de lembrar o PSD no seu esplendor a pedir meças ao Chega, de que o PS se devia demarcar da posição de Lula. Só a impunidade mediática lhes permite tal exercício. Por um breve instante imaginemos a ida de Marcelo ao Brasil e tendo em conta as diferentes posições sobre a Ucrânia alguém consegue conceber aberturas de telejornais brasileiros a questionar a posição de Portugal e a confrontar o governo brasileiro sobre a posição portuguesa?

A direita perdeu o sentido de Estado e o de um relacionamento estratégico de Portugal com o Brasil, seja qual for o governo de cá ou de lá.  Por motivos óbvios, basta atentar ao número de portugueses no Brasil e de brasileiros cá.

Não se pode fugir a esta questão a que PSD e grande parte da direita foge: o Brasil não é estratégico para Portugal, e os outros países de língua oficial portuguesa?  O seu apego a Bruxelas e à NATO não lhes permite ver mais além?

Depois há uma questão cuja simplicidade foi exposta por Lula: condenando a invasão, que fazer a seguir, negociar ou continuar a guerra?

Combater até derrotar a Rússia, segundo os EUA/U.E. e a que preço? Já nos prometeram a derrota por via das sanções. Estão a afetar a Rússia, mas a mudar o paradigma da moeda de transações, e não será por aqui que a derrota chegará porque o mundo não anda a toque caixa do Ocidente. E quanto está a ser afetada a Europa por causa das sanções?

A irrealidade e o grau de manipulação chegam a este ponto – Todos os dias os russos perdem a guerra por falta disto ou daquilo, até de botas e misseis, mas quem não tem munições é a NATO ou se tem, diz que não tem.

Há uma questão a que todos têm de responder e à qual não se pode fugir: para salvar a face da NATO é preciso chegar à guerra nuclear?

O deslumbramento pelas posições atlantistas de continuar a guerra até à vitória militar da Ucrânia impede o espírito de abertura para uma negociação que pare a guerra.

A visita de Lula a Portugal para grande parte da direita foi mais um palco de luta contra o governo e um acrescento à defesa do militarismo ocidental que pelos vistos ouvir falar de paz é o mesmo que o diabo ouvir falar da cruz.

O vendaval vai continuar a ter efeitos muito perversos, mas o que já viveram algumas décadas sabem de experiência feita que a irrealidade bate sempre de frente com a realidade. Para além da corrida aos armamentos e marchar, marchar contra a Rússia, o que vai decidir vão ser as condições de vida dos povos da Europa que nunca viveram tão mal desde a segunda guerra mundial. Inventar realidades só na ficção, na política vale apenas para a ocasião.

O mundo move-se

A CASA BRANCA COM POUCOS HÓSPEDES

O mundo está a mudar aceleradamente. É visível ao longo dos últimos dois anos. Nas últimas duas semanas o número de chefes de Estado que visitaram Pequim é bem elucidativo. A China passou a estar politicamente no meio do mundo.

O centro de gravidade das relações internacionais está a mudar. Sorrateira e calmamente a direção chinesa abriu a porta aos gigantes ocidentais para fazerem da China o seu local de produção barato. Todos lampeiros os inteligentíssimos cérebros ocidentais esvaziaram em boa medida a sua base industrial para aproveitar a mão de obra barata chinesa e a ausência de direitos sindicais. Foi o período em que as grandes corporações se enchiam de potes de dinheiro.

Quando acordaram deram conta de duas coisas com alguma importância: grande parte da base industrial estava algures na China; os chineses tinham com toda a sua sabedoria (a sua civilização é anterior à helénica) encontrado maneiras de criar e desenvolver uma base industrial e tecnológica tão avançada como a dos países mais avançados industrialmente.

Desde os anos oitenta do século passado até ao fim da primeira década do novo milénio a China foi acumulando conhecimentos e sem grandes ondas e sem qualquer espécie de problema com outros países concentrando todos os seus esforços no seu desenvolvimento.

Os mandarins deste lado do mundo deram então conta que a China era de facto uma grande potência e ironia das ironias foi criada a ameaça chinesa, porém, é para a China que, nos últimos anos, são enviados aviões, porta-aviões pelos EUA e pela NATO e é por causa da China que se fazem novas alianças entre EUA, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, envolvendo também as Filipinas.

A verdade é que até hoje ninguém viu navios de guerra chineses, nem aviões às portas dos EUA e da Europa. Ao que se sabe a China ameaçou os EUA com um balão que os aviões de guerra dos EUA heroicamente derrubaram.

É certo que o regime chinês deixa muito a desejar no respeito pelos direitos e liberdades democráticas, mas não é de agora; atualmente esta importante questão não se compara com o período que se segui a Tianamen e tal não impediu que os ocidentais achassem ótimo investir à grande, à francesa, à alemã na velha China, esquecendo que foram em busca de lucros e aquilo que procuravam podiam os chineses também procurar – ter lucros, o que todos querem, independentemente da maneira como os obtêm.

Nestes últimos quarenta anos os EUA gastaram triliões em armamento para se afirmarem com a sua liderança mundial; intervieram militarmente em Granada, fomentaram os contra na Nicarágua, em Cuba e intervieram militarmente na Jugoslávia e ocuparam o Afeganistão e o Iraque.

Aliás, defendem a integridade territorial da Ucrânia, mas consideram que reconhecendo a ONU e a comunidade internacional que só há uma China, os EUA achem que há duas, uma delas sem existência jurídica.

 A política externa dos EUA caracterizou-se pela soma zero, ganhavam eles, perdiam os outros.

A China dirigiu toda a sua política externa para o comércio contrapondo à política de soma zero a de ganhar/ganhar, ou seja, uma relação em que os dois devem ganhar por mais diferentes que sejam os regimes.

A novidade a que estamos assistindo é a seguinte: os regimes ocidentais democráticos liberais no plano das relações internacionais querem a todo o custo impor a hegemonia ocidental, onde prevalece a sua força e o dólar; a China, a Rússia e outros países com regimes autoritários propugnam por um mundo multipolar onde cada país se sinta mais livre para realizar as suas opções.

 Entretanto os barcos de guerra e os aviões dos EUA/NATO vão continuar a confluir para a China, onde como reconhece a ONU só há uma China e a ameaça chinesa só chega aos EUA e à Europa porque sabem lidar melhor com um mundo de comércio livre tão a gosto dos nossos liberais.

Não admira, pois, que dirigentes europeus, sul americanos, africanos e asiáticos visitem Pequim. Na verdade, a Casa Branca deixou de ser o centro do mundo.

https://www.publico.pt/2023/04/15/opiniao/opiniao/casa-branca-hospedes-2046224

Dalai Lama afinal não tem língua

Dalai Lama, o Oceano de Sabedoria, tradução direta, segundo a Wikipedia, ,Sua Santidade segundo os seguidores, apreciaria que uma criança indiana lhe chupasse a língua depois de ter beijado a criança nos lábios.

O Prémio Nobel da Paz, o Santo Oceano acreditou que o mar era só água e esqueceu-se que tinha penedos e ondas bravas. O velho Dalai Lama de 87 anos mostrou o quanto a concupiscência lhe passou à frente da sabedoria, o que é grave num santo.

Mas admitindo que os santos, mesmo entre os budistas, têm defeitos, difícil se torna, entretanto, aceitar que o vetusto Santo venha justificar-se que se tratou de uma brincadeira inocente.

O Oceano em vez de Sabedoria encheu-se de Burrice e Cinismo. Quem neste mundo acredita que um inocente de oitenta e sete anos de idade pediu ingenuamente a uma criança para lhe chupar a língua?

Talvez os seus conselheiros pudessem informar que tal não era possível porque de tanto lhe chuparem a língua já não tinha o objeto do pecado.  

Sequei e Morri Sem ter Sentido que Morri

In Jornal de Letras 05/04/2023

É um novo romance, com o título acima, que chega ainda esta semana às livrarias, com a chancela da Guerra & Paz. Aos 73 anos, advogado, presidente do Fórum pela Paz e pelos Direitos Humanos, ex secretário de Álvaro Cunhal e dirigente do PCP, que entretanto abandonou mas sobre o qual escreveu dois livros (um no centenário do partido, outro de memórias) Domingos Lopes dá agora alume o seu sexto título de ficção. De que antecipamos um excerto e do qual fala ao JL (ver caixa)

“(…) Pois eu tenho de confessar que, ao exilar -me em Fátima, fiquei sem rede, sem gente com quem partilhar as minhas amar guras e, portanto, ao contrário dos que se rebolam com os amigos nas dores, eu tive de fazer a travessia sozinha, o que num pnnieiro mo mento me deixou mal, mas depois mais forte.

Trazia o peso na alma do abandono do Sérgio, de não o ter e de aprendera viver sem ele, Muitas vezes travei comigo uma batalha sem tréguas para resistir ao ímpeto de lhe telefonar, houve momentos em que quase fraquejei, já não me lembro o que fiz para não lhe telefonar.

À medida que o tempo passava, diminuía a pressão para entrar em contacto com ele, nunca em relação ao meu amor por ele, esse ainda hoje é efetivo.

Na altura, não tinha a consciência nem o conhecimento que de mim hoje tenho. Fui para Fátima como quem se atira contra uma onda gigante, sabendo que se a furar vem a acalmia, O tempo ajudou a encontrar o sentido que havia dentro do meu inconsciente e guiou -me. Já lá vão quase 40 anos e, no entanto, na minha memória, o que de mais saliente ficou foi a chuva impiedosa que cala no largo do recinto e da freira que me levou para o convento. A chuva caía, caía e eu sentia no frio uma expurgação. Esse é o traço grosso da memória. As lembranças são muitas, fazendo um esforço à procura do que realmente aconteceu, para não me enganar, e quando estou a falar contigo e como sempre fazes muitas perguntas, eu entro dentro dessa caixa onde estão as coisas vividas e escabulho-as para te poder responder e reparo que as respostas são também para mim, marcos que vamos adicionando ao longo do caminho andado; só é possível esse exercício quando nos confrontamos com o passado que outra pessoa nos faz emergir e então pensamos de modo cada vez mais completo, porque ao nos empenharmos para regressar ao que fomos, podemos ver de modo mais esclarecido o que nos aconteceu, melhor, o que fizemos acontecer.

O que sou hoje não é muito diferente do que era, exceção feita à experiência adquirida, que nos vai moldando.

Se fosse outra pessoa que andasse como estamos a caminhar no Estádio Nacional, por entre a mata sempre fresca, a nossa conversa nunca tomaria este rumo, é preciso confiarmos na pessoa com quem falamos e que haja unia corrente que leve de um para o outro, neste caso, a corrente pode ser este silêncio dos ténis a bater no chão cheio de folhas entrecortado por uma pergunta ou outra ao longo deste caminhar.

Pode -te parecer estranho, mas o Sérgio entrou debaixo da minha pele e faz parte de mim, oiço o Sinatra vezes sem conta a dizer que alguém está debaixo da sua pele; admito que é memória e nada mais, pois não falo com ele há quarenta anos e muito prova velmente ele hoje será um homem totalmente diferente, não sei, mas deve ser. A verdade é que nos anos em que estivemos juntos, ele foi um referencial tanto ao nível das ideias, fez de mim uma comunista, como a nível de homem. Eu nunca fui de procurar namorados e ele foi o primeiro e devo esclarecer -te que a sua postura em relação a mim foi de uma ternura impressionante, ele impunha –se pelo quase silêncio, pela coragem contida e até por uma fragilidade comovente. Ele não era destemido, era calmo e a sua meiguice tornava -o forte porque a sua própria necessidade de proteção fazia –o ter uma dimensão muito mais próxima daquilo que eu apreciava como a mulher jovem que eu era na altura, ou seja, ser eu e nesse registo ser valorizada pelo Sérgio; eu era como era e esse ser de então sentia que o Sérgio lhe dava muito valor, assim nos dávamos de um modo tranquilo; tudo isto à distância de todos estes anos.” JL

“Um monólogo copioso”

“Quem é esta conservadora que se tornou comunista, mas que acredita num Ser superior? Uma mulher que se revê no PCP ortodoxo que não deve fazer qualquer acordo com o PS ou outro partido? Uma mulher que, abandonada pelo marido, se

refugia em Fátima, apesar de ter militado na 5ª divisão do MFA e continuar a ser comunista? Será incompatível ser-se comunista e crente num Ser superior? Dar ajuda humanitária a refugiados ucranianos, mas defender a invasão russa? Ser-se

bela e atraente e não querer sexo? “, é com esta catadupa de perguntas que a Guerra & Paz inicia a descrição/promoção de Sequei e Morri Sem ter Sentido que Morri. E o autor que diz?

JL: Como ‘classifica’, em breves palavras, este seu novo livro?

Domingos Lopes: E uma novela ancorada num monólogo copioso, desprotegido pelo impulso da justificação do amor sucedido e cuja rejeição foi e é para aquela mulher, a protagonista, inaceitável. A rejeição do amor por parte do homem que amava e ama é a bola de salvação para enfrentar os tristes dias sem o amor que lhe dava a luz de todos os dias.

E daí…

Essa mulher conta a um antigo colega dos anos da revolução de Abril de 1974 que é ela quem o prende e, por o ter preso, ela já não pode ser de outro ou outros. O poder do amor faz de unia católica conservadora uma militante comunista ativa, assim como o poder destrutivo do divórcio a leva a fugir da Faculdade de Direito de Lisboa, que então frequentava, para um refúgio espiritual em Fátima.

Quer dizer que a sua paixão por ele se mantém?

A paixão não se extingue com o rompimento, prolonga-se em função da localização da memória na superfície ou na profundidade dos lagos onde vive. Quando a memória subjuga, como um sequestro, o próprio presente fica prisioneiro do passado. E essa mulher fala como se o que diz fosse o único juízo possível para aquilatar da ordem das coisas, por mais que viva há uma parte dela que secou e ela morreu sem ter percebido que tinha morrido.

Josep Borrell – caixeiro-viajante ao serviço dos grandes armeiros

A guerra da Ucrânia continua a sua dolorosa via com sérios riscos de se encaminhar de modo irreversível para o abismo. A Humanidade assemelha-se à avestruz que face ao medo mete a cabeça debaixo da areia.

Foi assumido por Merkl, Hollande e Poroshenko que os Acordos de Minsk se destinaram a criar condições para a Ucrânia se rearmar e resolver militarmente o problema dos habitantes de fala russa.

A invasão, apesar dessa clara má-fé negocial do “Ocidente”, não tem qualquer justificação e constituiu uma grosseira violação do direito internacional, igual a tantas outras cometidas pelos EUA. Porém, a UE deixou de ter uma visão europeia para o conflito e transformou-se num código postal dos EUA.

Josep Borrell é um socialista do PSOE que em matéria de visão do mundo caminha lado a lado com Biden/Zelensky/ e dirigentes do Leste e Norte europeu que esfregam as mãos ansiosos por um confronto com a Rússia.

Borrell e os socialistas/social-democratas europeus têm como programa estratégico a nível europeu, em relação a este conflito, o alinhamento com a política imperial dos EUA.

O artigo publicado no Público do dia 29 de março é o exemplo gritante de como um socialista se pode transformar num caixeiro-viajante ao serviço de Biden/von Leyen para comprar e vender munições 155mm e armas de todo o tipo para a entregar a Zelenskii, chefe de um regime que antes da guerra era considerado um dos mais corruptos do mundo.

A mensagem de Borrell é esta: Tirar dois mil milhões de euros ao Mecanismo Europeu de Apoio à Paz e enviar o mais rapidamente por todo o mundo caixeiros à procura de saber quem tem munições e rematar tudo quanto haja e encarregar desde já às fábricas que produzam mais armas. A isto chama o senhor Borrell quebrar tabus.

O senhor Borrell está muito preocupado com a falta de munições 155; ele e a senhora Ursula tinham garantido que os russos seriam derrotados com as sanções, o que poderia ser realidade se o mundo continuasse a andar a toque de caixa do chamado Ocidente; só que já não anda, o que não quer dizer que uma parte não ande.

O mundo não é um hoje um sítio calmo e cheio de harmonia, mas quem traçou a sua arquitetura já não manda sozinho, tem outros compassos a concorrer.   

Borrell escreve que é Zelenskii quem define os termos de um acordo de paz, só que quando se prestava a fazê-lo em abril de 2022, logo acorreu o eixo anglo saxónico a impedi-lo prometendo-lhe a derrota militar da Rússia, tantas vezes apregoada pelo trio Ursula/Borrell/Michel e o aprendiz de galaró, o cabo de ordens, o senhor Cravinho.

O que espanta é o à-vontade com que Borrell declara solenemente que comprar munições aos milhões pagas com os fundos do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz se tornou num tabu quebrado e outros se seguirão quanto aos incentivos para gastar muito mais na indústria do armamento.

Borrell acode com milhares de milhões para a indústria da morte enquanto os seus camaradas socialistas no governo de alguns países europeus se afincam a impedir aumentos salariais para quem enfrenta uma inflação duríssima e a travar investimentos no setor público para fornecer melhor Saúde, melhor Ensino, melhor Justiça assegurando uma vida minimamente decente às populações.

Ele vestiu-se de caixeiro e corre o mundo à procura de quem venda munições para as fazer chegar à Ucrânia com a conta a ser paga pelos cidadãos da U.E.

Diz o senhor Borrell que o faz em nome de um mundo com regras, como se fossemos imbecis e não conhecêssemos que essas regras de que ele fala não tivessem até hoje servido as potências dominantes na OTAN e U.E.

Sim, um mundo com regras é vital, mas regras que impõem a condenação de todas as invasões e ocupações tanto na Ucrânia, como no Iraque, na Palestina, no Sahara Ocidental, no Iémen ou onde quer que seja.

O senhor Borrell em propaganda é mais ou menos razoável; em matéria de defesa da paz é uma desgraça, ofícios de um caixeiro-viajante em demanda de munições.