É interessante verificar como em circunstâncias históricas, tão distintas, as classes dominantes se socorrem dos mesmos instrumentos para justificar o que não tem justificação.
O governo através do seu Ministro de Defesa, o barítono Nuno de Melo e a Ministra da Administração Interna vieram a público defender a integração nas Forças Armadas de jovens autores de certos crimes, vendo por esse facto limpas as suas manchas criminosas.
Tal defesa ideia coloca em cima da mesa a questão que é da mais alta importância – a recusa da juventude da vida militar.
Este fenómeno não é especificamente português. Os media franceses, alemães, ingleses, polacos e outros dão conta da fuga dos homens ucranianos à guerra. Há milhões de homens que fugiram da Ucrânia para não fazer a guerra.
Tem-se criticado muito, no lado ocidental, a utilização da Rússia de presos que ao irem participar na guerra ficaram livres da prisão e que no assalto a Bakhmut muitos deles acabaram por ser mortos em combate. Mas noblesse oblige…
Sempre valerá ter presente que desde os séculos XIII ao século XX, os presos, os vagabundos, os jornaleiros e os desgraçados sempre foram incorporados à força para a tropa portuguesa.
No livro recentemente publicado na Editora Jornal do Fundão e Canto Redondo, “Lutas de miséria”, cujo autor, o advogado José Paulo Leitão, leitura que recomendo vivamente, é dado a conhecer através de diversas investigações como eram, em muitos casos, constituída a tropa portuguesa. Transcrevemos …” No século XVIII, os vagabundos ainda eram classificados como delinquentes, ficando sujeitos a açoites, a prisão, a trabalho não remunerado … e aqueles miseráveis passam a ser integrados forçadamente no exército, na marinha … Pag. 151, 152
… os pobres e os mendigos não autorizados que a Coroa portuguesa recrutou, compulsivamente na Guerra da Restauração … Pag. 153
No sec. XVIII o recrutamento significava um dos maiores flagelos com que os governos podiam atormentar as populações … Na segunda leva figuravam os presos e os violentados … Pag. 154.
Socorrendo-se de Aquilino Ribeiro o autor transcreve … Dada a repugnância que sempre manifestou o povo português pela vida militar, foi preciso que a operação se fizesse pelo processo antigo, demorando a “fazer homens”, pag. 162, a prepósito da Guerra Fantástica.
A incapacidade do atual governo de mobilizar jovens para o serviço militar, responde com métodos antigos com séculos de existência.
Como já não é possível as autoridades irem “fazer homens” empreender-se-ia esta política “patriótica” de premiar jovens praticantes de delitos com a entrada na tropa em troca de ficha criminal limpa, esquecendo-se estas luminárias, por ignorância, que depois de limpa a ficha a deserção acontecia em todos os cantos.
A experiência deste tipo de recrutamento apenas beneficiou momentaneamente a incorporação forçada e tornou-se dentro da tropa um problema sério de disciplina e criminalidade. Só ministros desta estirpe eram capazes de recuar séculos à procura da modernidade.