Os mercados passaram a ser entidades reverenciais que comandam a vida das nações e do mundo. A verdade é que nunca ninguém lhes viu a cara ou se lhes dirigiu com petições ou reclamações, nem neles alguma vez votou.
Fazem as suas operações de modo que a seguir a cada uma delas abocanhem milhares de milhões de dólares ou euros ou outra moeda sólida. É de sua natureza querer mais e mais e mais. Quando assim acontece por aí andam a meter o olho do alto do Olimpo deixando os humanos viver segundo os seus ditames.
Se por qualquer instinto de desconfiança sentem que podem deixar de encher todos os sacos do mundo manifestam a sua ira. É também uma das suas características, a ofensa ao terceiro pecado capital da lista apresentada pela Igreja Católica no século XIII.
Deve, porém, acrescentar-se que tal como Zeus era o primeiro dos deuses da Grécia Antiga, a tendência da era pós-moderna é a nova divindade passar à frente das velhas divindades e daí muitas vezes os sacerdotes das antigas divindades, habituados a servir, se coloquem de joelhos face à nova. Não foi só o imperador Constantino que se converteu ao cristianismo. Mais houve e continua a haver.
Como estão por cima e acima de tudo têm quem por eles zele com máxima dedicação. Os novos zelotas glorificam esta nova divindade constituída una e diversificada e adoram-na dedicando-lhe todo o amor possível em troca do paraíso terreste.
Ao contrário do Reino de Cristo, de Jeová ou de Alá os seus altos sacerdotes não precisam de morrer para provar as delícias do paraíso, refastelam-se cá na Terra porque nunca sabem se após a morte fica alguma coisa para gozar. E sabem que é na sua dedicação sem limites que poderão desfrutar das delícias únicas dos servidores dos grandes Templos implantados nas Bolsas de Nova Iorque, Tóquio, a City ou FranKfort, sem esquecer Paris e Singapura.
A nova divindade é insaciável. A sua fé espalha-se por todo o mundo e engole deuses antigos, por vezes, servindo-se deles para sua prédica atingir em profundidade e largura o humano rebanho.
Os Incas e os Maias tentavam aplacar a fúria dos deuses oferecendo-lhes sacrifícios humanos. Na Antiguidade grega, designadamente em Atenas os oráculos eram implacáveis e se necessário fosse para amenizar essa fúria divina eram sacrificadas crianças, adolescentes e virgens em cerimoniais de sangue inocente.
Por estas bandas ofereciam-se impuros queimados nas fogueiras para que Deus do seu alto assistisse imperturbável aos gritos lancinantes dos escolhidos pelos seus representantes na Terra.
Agora o mundo mudou: as novas divindades aprenderam com o passado, aceitam e impõem sacrifícios, mas sem espetáculos deprimentes e nauseabundos como o das fogueiras.
Agora castigam-se os simples cortando-se-lhes na subsistência de modo que se houver quem não subsista não se note porque nos hospitais as pessoas que não têm comida basta-lhes fazerem-se passar por doentes e uma refeição sempre hão de ter, se tiverem, certas vezes.
Um conhecido zelota a este respeito foi demolidor acerca da sua fé no novo Deus ao declarar que os pecadores confrontados com tanta pobreza haviam de aguentar os sacrifícios para salvar os deuses que fugiam da bancarrota a caminho da salvação terrena amparados pela celebérrima palavra – aguentam, aguentam.
São invisíveis as novas divindades, o que é da sua própria natureza. Têm muitos rostos. E estão espalhados onde já há os deuses antigos. Acomodam-se. A sua natureza só exige que os adore, mesmo que haja outros que sejam adorados por motivos meramente espirituais, o mundo destas divindades é a pura materialidade das moedas.
Eles vivem de outro tipo de devoção, querem cifrões e mais cifrões, tantos que os tiram a toda a Humanidade.
Em abono da verdade, pouco mais de umas tantas centenas destas divindades têm tanto como mais de metade de todas as mulheres e todos os homens da Terra.
Estão encastelados em locais fortificados e há quem diga que pensam ir par o espaço nos seus foguetões supersónicos, sempre estarão mais a salvo.
Eles dão ordens e logo os primeiros-ministros, os ministros das finanças e os governadores dos Bancos Centrais e até a luxuosa Madame Lagard transmitem o grave aviso de que os mercados estão furiosos e nada a fazer.
A City quando percebeu que Lisa Trusse não passava de uma figura sem rumo apresentou de imediato o cartão vermelho e a sua desgraça pode estar por semanas ou meses. Os mercados zelam pela ordem mercantil onde os humanos não passam de meros números.
Como é do conhecimento geral os mercados mandam nos governos. Deve ser por isso que as pessoas desistem de votar na medida em que os eleitos apenas prestam contas nos confessionários destas divindades e as promessas não são para cumprir.
O grande problema para os mercados é a capacidade de os humanos têm de reinventar permanentemente os seus deuses. Claro que entre o Aguentam, Aguentam e o não aguentam muita água corre por baixo das pontes.
Ultimamente os deuses viraram-se para outra grande divindade, Marte, o implacável deus da guerra que domina toda a Ucrânia.
Pode ser que os povos europeus furiosos, em vez de se matarem uns aos outros, proclamem o seu amor à paz e só aceitem divindades que sorriam, transmitam bondade e afeto entre todos os que por cá vão vivendo. Pode ser.
Excelente Domingos!
Um abraço
Zé Veloso
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A ‘Teologia’ dos Mercados precisa de ser sistematizada de forma convincente, com ‘ideias claras e distintas’ (Descartes) com suas praças fortes (Wall Street, Morgan, Federal Reserve, BCE e outros bancos…bolsas em NY, City of London, Börse/bolsa em Frankfurt, Tóquio Zurique, Paris, São Paulo… seus ideólogos neo-liberais nobelizados nas grandes Universidades, suas instituições formais e informais, associações como p. ex. Bilderberger, alianças militares que defendem à prova de bala (Nato) essa ‘Teologia’, enfim, que sei eu, simples mortal, que todavia reclama uma humanidade pacífica, sem opressão nem exploração…em nome da dignidade humana. A ‘Teologia dos Mercados’ é a pior inimiga dos Direitos Humanos, mas os pérfidos ideólogos ao seu serviço pregam exactamente o oposto, ou seja, a sua virtuosa bondade. Os ‘sacerdotes’ desta ‘Teologia’ são invisíveis, quase etéreos, agora ainda mais com as aplicações digitais. Muitos governantes, reis, presidentes, PMs, estarão assim vestidos com farda de criados de libré…
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