Um organismo que não se renova petrifica, o que é um mal, quase sempre, incurável. A incapacidade para se renovar pode decorrer da própria natureza do organismo ou de quem o dirige. A renovação implica ter a noção da importância da manutenção da força para atuar de modo consequente no presente e no próprio futuro.
A perpetuação de um grupo dirigente no poder é mais do que meio caminho andado para o anquilosamento, na medida em que estabelece um conjunto de princípios visando, no essencial, assegurar a continuidade no comando, e afastar ativistas que não são fiéis.
Quando se proclamam certos princípios intemporais, sem demonstração da atualidade, dogmatiza-se a teoria. Se em finais de 2020 se age como se o mundo fosse o de novembro de 1917 ou chegou a cegueira ou se pretende afastar quem se empenha em atualizar o pensamento e a ação no mundo dos nossos dias. A identidade não é estática, está em constante atualização. O Livro das Mutações foi escrito na China há mais de quatro mil anos e Camões há mais de quinhentos já falava que todo o tempo é composto de mudanças.
O programa do PCP defende que a soberania reside no povo e, por outro lado, nas Teses para o XXI Congresso defende como condição essencial…”a existência de uma força revolucionária de vanguarda capaz de, em cada país, dirigir a luta pela conquista do poder pelos trabalhadores…”. O que quer isto dizer? Uma ladainha para afastar quadros que nunca engoliriam esta mixórdia e assim manter na direção do partido um conjunto de quadros contentes com o poder que ainda têm, mesmo que diminua a olhos vistos ou é para ser lido tal como implica a semântica? Neste caso cabe perguntar tendo em conta os resultados eleitorais nada abonatórios com que trabalhadores vai o PCP assegurar a conquista do poder?
Já nem o PCUS, nos seus últimos anos de vida, defendia ser vanguarda estatutariamente, o que Álvaro Cunhal acolheu, pois que a existência de uma vanguarda não pode ser conferida constitucionalmente, mas antes na sua capacidade de influenciar e dirigir.
Ora o PCUS com os seus vinte milhões de membros, fora a Juventude do Komssomol (50 milhões), não foi capaz de mobilizar metade de um por cento dessa militância para fazer frente a Boris Yeltsin que com alguns milhares de manifestantes se apropriou do poder. Grande partido de quadros de vanguarda sentados nas suas cadeiras de mando.
A defesa “teórica” de um modelo em que uma direção se perpetua visa afastar do partido mulheres e homens que mobilizados para a luta pelo ideal socialista não aceitam aqueles supostos dogmas jazentes no caixote do lixo da História.
Os dirigentes da URSS viraram donos das fábricas, salvo raras exceções. Virou o disco, mas os regentes da orquestra são quase todos os mesmos.
Na análise que o PCP faz do mundo na entrada das Teses revela uma obstinada petrificação destinada a manter os fiéis unidos em torno de um mundo imaginário que é o mundo dos que pensam e agem como a direção do PCP, que aliás são cada vez menos.
Por isso, os constantes alertas e denúncias em relação aos que dizendo-se comunistas não passam de reformistas e liquidacionistas por se afastarem dos princípios definidos pelo PCP, o guardião do cofre dos princípios vazios de vida. O que parece contar é o verbalismo, a recitação de grandes tiradas desfasadas da realidade, incapazes de fazer o partido avançar. Que bem os retratou Vladimir Illich Ulianov (na obra acerca da doença infantil do comunismo) que não foi um santo, mas o chefe dos bolchevistas que liderou a revolução russa há 103 anos. Se lhe seguissem o exemplo no que concerne ao estudo das ideias de Marx e dos seus seguidores posteriores, mas ficaram-se pelos camaradas Suslov e Ponomariov que proclamaram a URSS eterna e a metros do comunismo. Como se viu. A petrificação é uma doença incurável, nada a fazer.
Um texto que podia ser interessante mas que se ficou pela cassete dos anos 90 quando a confusão era muita e as ‘renovações’ e ‘inovações’ brotavam de onde menos se esperaria.. De lá para cá certamente houve muita coisa para aprender incluindo quanto pagaram aqueles que ‘deitaram fora o bebé coma água do banho’.
Como até acredito que este não seja apenas mais um texto de ressabiamento gostaria de perceber afinal qual é discordância de Domingos Lopes. É apenas contra ”a existência de uma força revolucionária de vanguarda capaz de, em cada país, dirigir a luta pela conquista do poder pelos trabalhadores…” ? E invoca Lenin para negar a necessidade de um partido de vanguarda ? É que além de muitas acusações gerais não refere mais nada de concreto. Não é estranho?
E não é tempo de todos quantos se consideram da área do socialismo acabarem com o recurso aos truques simplistas (a diabolização da União Soviética, o fantasma dos velhinhos do PC, o anátema da dogmatização/conservadorismo, etc) para combaterem o PCP ? Hoje, enfraquecer o PCP é um objetivo assumível por alguma esquerda ou por alguém que se queira situar nesse território? Volta-se com outras roupagens aos velhos esquemas anticomunistas (tipo FAP ou qualquer dos seus derivados)?
A consideração que me merece o Domingos Lopes leva-me a ainda ter esperança numa reanálise dos erros que muitos (eu também) assumimos nos últimos 30 anos. Provavelmente o PCP (Álvaro Cunhal) tinha muito mais razão do que nós.
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Olá Rui. Obrigado pelo comentário.
Tenho um percurso de vida fiel ao que perfilho há de mais cinquenta anos . Ele fala por mim. Nesse percurso estive cerca de quarenta anos no PCP. Dei o que sabia e o que podia. Não me arrependo do que fiz. Não tenho espaço na minha vida para ressabiamento, apenas para defender o que penso, certo ou errado,Saí por discordar. Discordamos da análise que cada um faz sobre a queda do socialismo no Leste. As lições da queda devem ser tidas em conta e não escamoteadas. Aquele modelo não teve os trabalhadores a defendê-lo e caiu. Os milhões de filiados não mexeram um dedo para o defender. O “modelo” morreu e não vai ressuscitar.
A luta pelo socialismo vai continuar tendo em conta o mundo como ele é hoje, os erros passados e certamente o que de bom foi feito.
Por falar em enfraquecer o PCP o responsável por esse enfraquecimento é quem o dirige. Não fica bem atirar para os outros as responsabilidades próprias. Parece uma desculpa que um revolucionário deve rejeitar. Quanto ao anticomunismo que indiretamente me atribui nem vale a pena responder. Está explicado no texto publicado e que comentou. Agradeço a esperança que ainda deposita que eu reanalise os erros cometidos. Sem dúvida, daí o texto acerca dos erros e não só; também dos métodos ínvios para uma direção se perpetuar. Saudações comunistas.
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