Quando os regedores das freguesias de todo o país arregimentaram as populações para irem ao Terreiro do Paço apoiarem Salazar para dar início à guerra colonial contra o povo angolano, uma nova e desastrosa realidade começou a nascer e a tomar conta da juventude, a da guerra colonial.
Foram os homens com garrafões de vinho pagos e merenda melhorada. Foram mal sabendo ao que iam. A maior parte não sabia sequer onde era Lisboa, quanto mais Nambuangongo, ou Cabinda, ou Maiombe ou mesmo Angola. Disseram-lhes que iam salvar a pátria dos terroristas que esventraram à catanada mulheres e crianças no Norte de Angola. Os pretos de Angola eram portugueses de gema e tinham de voltar à portugalidade à base da metralha e do terror, mesmo que o não quisessem ser e à distância de sete mil quilómetros.
Alguns dos que regressaram traziam os seus troféus de guerra. Sim, em todas as guerras, os homens tornam-se selvagens. A guerra é a maior das selvajarias porque cada um se treina para matar o outro e aterrorizá-lo impedindo-o de reagir. O napalm não civilizava nenhum angolano e as G3 também não. Já antes a escravatura fora para civilizar os pretos.
Os que regressaram vinham nos barcos carregados de heróis do Ultramar. Vinham carregados de ódio aos pretos que eram traiçoeiros e combatiam escondidos no capim e não de homem a homem. Era a lei da sobrevivência. Ou matavam ou eram mortos. Os pretos não tinham aviões, nem barcos de guerra, só a traição – o capim.
Os soldados lusos perseguiam-nos e matavam-nos e se preciso fosse cercavam as aldeias e queimavam-nas para que eles aprendessem a distinguir o bem do mal.
Alguns traziam condecorações de tanta morte, outros não sabiam o que mataram, pois os traiçoeiros pretos levavam os mortos, como se os portugueses deixassem os seus. A verdade é que há muitos heróis desse tempo de metralhadoras que não dormem de janela fechada, nem são capazes de fazer uma ressonância magnética.
Alguns dos que regressavam tinham escondidos uns frascos e dentro dos frascos orelhas, narizes e até órgãos genitais masculinos. Era a prova da sua valentia.
Às vezes mostravam-nos. Só às vezes. Tinham-nos escondidos. E quando mostravam contavam a história dos donos daqueles pertences. Eram dos terroristas que não queriam ser portugueses, pretos malditos. E mostravam o que cortaram ou alguém por eles.
Foram anos de guerra na Guiné-Bissau, em Angola e em Moçambique. Anos a matar para não ser morto. Tão brutal e cruel que ela própria gerou a revolta e acelerou o 25 de Abril pela mão dos capitães que já não queriam pactuar com tanta desgraça.
Este é o nosso Portugal que há quarenta e seis anos metralhava os pretos dos restos do nosso Império.
Quem pode atrever-se a dizer que neste país há racismo? Quantas armas desse tempo estão prontas para matar pretos que eram os seus destinatários, mesmo que enviesadas matem brancos?
É tudo mentira, Portugal não esteve em guerra, nem nunca por nunca mandou matar pretos…Ai Portugal, Portugal.
https://www.publico.pt/2020/08/03/opiniao/opiniao/mentira-portugal-mandou-matar-pretos-1926787
Triste… Muito triste…
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