Pacta sunt servanda, sustentavam os juristas romanos e com toda a razão. Na verdade, os pactos são para serem cumpridos. Assim agem todos os que negoceiam de boa fé e com sentido de honestidade. Um acordo significa o fim de um caminho, por vezes longo, em que os diversos pontos em conflitos se alisam de modo a que todos os envolvidos sintam que podem selar o resultado final, isto, é o acordo.
Esta filosofia é válida para contraentes particulares como para os Estados, aplicando-se aos primeiros o direito privado e aos segundos o direito internacional.
O Acordo que envolveu o Irão, os EUA, a Rússia, a Alemanha, a França e o Reino Unido foi o resultado de anos de negociações e que levou a que todas as partes o assinassem e pudessem concluir um conjunto de clausulas negociadas ao milímetro, através das quais, em suma, o Irão renunciava ao fabrico da arma nuclear e eram levantadas as sanções que sobre aquele país impendiam.
Com Trump na presidência dos EUA, os acordos celebrados não valem nada. Só valem os que lhe interessarem – Trump first . Sejam os acordos celebrados com os seus advogados com uma atriz de filmes pornográficos, sejam os Acordos de Paris sobre clima, sejam os Acordos com o Irão, sejam o que forem com quem forem. Para Trump o que conta são os seus interesses e os dos multibilionários que o apoiam.
A desgraça é que esta figura saída dos fundos mais reacionários da América do Norte suscita na União Europeia a condescendência de muitos governos, designadamente da França de Macron ofuscado pelo brilho doirado das riquezas de Trump, de Teresa May e ao que parece também de Angela Merkel a propósito dos Acordos assinados com o Irão.
Se o que estivesse em causa não fosse o perigo de uma guerra devastadora pareceria uma peça teatral de baixo nível e de mau gosto com Netanyhau a desempenhar o papel de ponto e a esganiçar-se para apontar o dedo às armas nucleares do Irão, que só ele as vê.
A encenação está gizada: Macron, o reformador da sociedade a favor dos super-ricos, foi a Washington “convencer” Trump a não rasgar os Acordos.
Para tanto ele e Trump exigiriam ao Irão que eliminasse os seus misseis com alcance superior ao das suas fronteiras, sendo que Israel, Arábia Saudita manteriam os seus e Israel continuaria a deter a arma nuclear apesar de ser o Estado mais fora da lei do mundo.
Tal como Trump, os dirigentes israelitas entendem por direito internacional um conjunto de procedimentos que lhe permita, seja qual for o preço, impedir o respeito dos direitos nacionais do povo palestiniano tal como decorre da Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU.
Ou seja o prevaricador deverá ser premiado e o Irão que assinou acordos com as principais potências através dos quais assumiu não produzir a arma nuclear (que Israel tem) deve ser brutalmente penalizado e ser privado das suas defesas.
Há alguém em seu perfeito juízo que pense que o Irão, um país milenar, de onde saiu parte da nossa civilização, vá aceitar semelhante traição aos seus próprios interesses nacionais…Claro que todos sabem que não aceitará e que os EUA, Israel e ao que parece Macron, May e Merkel se colocarão ao lado de Trump e Netahyhau para impor sanções ao Irão com o pretexto da ameaça dos misseis iranianos sendo, em abono da verdade, que os misseis israelitas e sauditas que matam palestinianos na sua própria terra, iemenitas no seu país, são bons porque são dos amigos do coração ou made in USA a troco de cheques que fazem a América great again…
No fundo Trump e os desavergonhados que o apoiam nesta maquiavélica encenação o que propõem é mais ou menos isto: o Irão não pode ter misseis, mas os Estados do Golfo podem continuar a ter porque esses misseis são bonitos e inteligentes produzidos no complexo militar-industrial dos States.
Para Trump o mundo resume-se às Torres na 5ª avenida e ao seu campo de golf na Florida ao pé das Caraíbas onde outrora reinavam os flibusteiros. Trump quer reduzir o direito internacional a uma arena onde se digladiam não Estados e nações com normas a regularem o seu comportamento, mas verdadeiros piratas a imporem a lei do saque.
Texto publicado no Público de 08/05/2018