As guerras têm como objetivo matar a maior quantidade de pessoas ou destruir o máximo possível do outro.
Quando alguém mata há vidas que se vão e algo que morre dentro de quem mata. Destrava-se o travão que há em todos os seres humanos para não matar. E morre a coragem de não matar. Passa a viver dentro do que foi educado para não matar a pulsão sem controlo para matar. Quando se perde esse travão a morte passa a vencer a vida.
Todas as balas, bombas e obuses que os EUA despejaram no Iraque quando o invadiram para derrubar Saddam Hussein mataram muitas dezenas de milhares de pessoas, sendo que a esmagadora maioria delas nada tinha a ver com Saddam. Estavam em suas casas, na rua, no café, no talho, na mesquita, algures. E do alto do céu, como chuva, chegou a morte.
Outras vezes chegou das armas de quem assaltava as casas à procura de inimigos que eram quase todos e quase ninguém.
Segundo algumas fontes mais de meio milhão de mortos; segundo fontes próximas do Reino Unido e EUA cento e quinze mil mortos.
São muitas dezenas de milhares de pessoas que foram mortas por serem iraquianas. Muitos por serem soldados de Hussein, outro(a)s por serem iraquiano(a)s. George W. Bush festejou o enforcamento de Saddam Hussein que era também um ser humano e um crente como ele.
De tanto matarem os americanos e os ingleses tornaram a morte em Bagdad , em Faluja, em Tikrit, em Bassorá, uma coisa normal. O cheiro a morte tornou-se uma espécie de respiração.
Os iraquianos e os muçulmanos também morreram com aqueles mortos e de entre muitos dos que não morreram a cegueira tomou conta das suas vidas a pontos de elas deixarem de ter valor ou passarem apenas a ter o valor de um instrumento para chegarem ao paraíso se matassem os que são da mesma raça dos que mataram antes.
Afinal o ditador era ditador como tantos outros que há no mundo e que vão à Casa Branca cheio de honras; alguns, vizinhos de Bagdad e de Damasco. E nem sequer tinha as armas que juraram que tinham e que foram vistas por gente “insuspeita”…
Seguiram-se outras carnificinas umas diárias na Palestina; outras a conta-gotas, derrubando e assassinando Kadafi e no Iemen enchendo o país de mortos com as armas do Ocidente nas mãos dos sauditas.
Uma vez mais a morte a ser a rainha da vida. Sempre os aviões carregados de metralha a deixar todo o espaço para os abutres que se apoderavam e levavam a cabo a razia que vem do mais antigo da maldade humana.
Antes destas desgraças não haveria felicidade, mas havia uma esperança que a vida pudesse mudar entre eles todos- iraquianos, líbios, sírios, iemenitas, tunisinos…
O certo é que tanta morte puxou a morte para cima da vida e a vida transformou-se num corrupio de mortes, um pouco por todo o lado.
Os fanáticos da morte, os que se diziam superiores em civilização, desencantaram a morte e foram de encontro a esse desígnio de todos os que desprezam a vida.
Os mortos de Kandahar, de Belém, de Gaza, de Faluja, de Alepo, de Bagdad, de Cabul, de Sitre, de Tripoli, de Tunis, de Aden, de Raca, de Palmira, são de gente como toda a gente que é gente. Um cemitério sem fim de mortes.
O judeu que matou Isac Rabin era branco. E os franceses que mataram no Bataclan eram cidadãos da República francesa. E o norueguês que não se cansou de matar jovens numa ilha daquele país era tão europeu como foi Hitler.
Os massacres de Paris são pura e simplesmente horríveis por terem assassinado gente que desfrutava a vida no Stade de France, no Bataclan ou num restaurante.
Como todos os inocentes de Faluja, de Bagadad, de Gaza, de Tunis, de Damasco, de Tripoli, de Aden…. E parece que não.
Os que ordenaram os ataques e as invasões não choraram por aqueles seres humanos mortos que iam a passar quando caiu o obus e a bomba ou quando rezavam na mesquita, ou quando se divertiam a beber o chá de menta, ou quando viram as portas de suas casas arrombadas e mortos os familiares suspeitos de não quererem os americanos e os ingleses a ocupar a sua terra como não quereriam os ingleses e os americanos.
Há mortos e mortos, tal não impede que os mortos inocentes não reclamem do mais fundo dos vivos a normalidade de matar como os que mataram. A Humanidade está a habituar-se a matar, quando a guerra já foi proibida na Carta da ONU.
Matar tem de ser a coisa mais horrível; só em legítima defesa. Só diante da agressão iminente. Só. E não porque naquela terra há riqueza e um pretexto.
Imaginamos a dor dos franceses. Deve ser terrível. Seguramente. Em Tunis estava uma compatriota nossa que foi traiçoeiramente assassinada e em Paris também.
Nas cidades do Iraque, do Iemen, da Líbia, da Palestina, da Tunísia, de Israel, da Síria há dezenas de milhares de pessoas inocentes mortas. Que ninguém esqueça as de Paris, Copenhaga, Bruxelas, Londres, Nova Iorque e as de todo o mundo muçulmano. Diante de deus, seja ele qual for, essas pessoas são todas irmãs e aos olhos da Humanidade são todas iguais, mesmo que não pareça. Que o travão trave a mais terrível pulsão dos humanos. Que a morte não vença a vida.
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