A palavra tem o poder de transformar o mundo real num outro mundo possível. Aratacata é a povoação onde nasceu Gabriel Garcia Marquez e aí viveu a infância.
Pois os que leram Cem anos de Solidão não mais esquecerão Macondo e os Buendia.
Macondo nunca existiu; só que a palavra lhe deu vida e poucos saberão de Aratacata e muitos conhecerão as estórias ricas de Macondo.
Só o poder da palavra pode recriar o que existe e transformá-lo no que não existe, passando a existir. Essa força move o mundo dos humanos. Acreditar no que sabemos que não existe mas podia ou poderia existir ou daquele modo ou de outro modo.
O que interessa é a possibilidade de criar um quadro em que nos possamos mover na leitura e de encontrarmos os lados mais fantásticos ou brutais da vida.
O que sucede aos outros e nos poderia suceder. O que nos delicia. O que nos horroriza. O que nos incita. O que nos faz sonhar. O que é tão feroz que nos faz melhores. O que nos humaniza em tempos de cólera social. O que nos faz irmãos em tempos de guerra. O que nos faz sermos nós e os outros.
Disse-me um homem de Santa Marta a que pertence Aratacata que não compreendia por que motivo Gabo deu o nome de Macondo a Aratacata, porque entre eles quando o dia corre mal dizem- tive um dia macondiano.
Os dias em Macondo, que me lembre, da leitura dos Cem anos de Solidão, nem eram bons nem maus, eram dias em que sucediam coisas estranhas e fantásticas.
Ao cabo e ao resto o que sucedeu nas “Mil e uma Noites” também não sucedeu e ao mesmo tempo sucedeu a todos os que as leram. Ou o mesmo a Ulisses na Odisseia.
De todos os modos em Aratacata a terra estava no chão e as crianças brincavam ao pé da estação e do telégrafo e a velha árvore da casa de Gabo continua a crescer.
No quarto de brincadeiras com os índios que ensinaram a Gabo estórias sem fim pareceu-me ver fascinados os olhos do escritor.
Hoje não tive um dia macondiano. Tive um dia em Macondo, terra que continua a ser Aracataca. Um dia com muito calor. Um almoço com gente que falava e era realmente gente. Um dia fantástico. Real, embora não tenha estado em Macondo, estando. Que o diga Aracataca, aliás Macondo.