De Manizales a Medellin não são mais que cento e oitenta quilómetros de estrada encravada na cordilheira central. Estrada de arrepiar, a lembrar o Marão há cinquenta anos; só que a altitude a seguir a Santa Bárbara atinge os dois mil e quinhentos metros…
Na berma dezenas de cruzes, o que não intimida os condutores, sobretudo os dos carros. Se não passarem a linha contínua que é quase constante entre as duas cidades nem ao cabo de dez horas fariam a viagem.
Nalgumas curvas não passam ao mesmo tempo um carro e um camião. Do lado dos camiões a montanha está marcada a fundo de tanto rasparem com a carga.
A paisagem à saída de Manizales é de um verde gótico, verde verde e verde maduro; um verde de fazer inveja às outras cores. Melhor: à luz deste verde não há mais cores, até o céu fica verde de azul envergonhado.
Entre os mil e duzentos e mil oitocentos metros em socalcos está o café em plantações que terão no máximo a altura de um homem com muitas bananeiras à mistura e imponentes palmeiras esguias a contrariar a estética volumoso do célebre pintor e escultor Fernando Botero.
Não há máquinas que possam colher em tal instabilidade e proximidade das plantas entre si.
Gustavo é o condutor; tem trinta e quatro anos e garante que …”o de cima vai assegurar uma boa viagem sem problemas…” ; esperemos os de baixo…
Do lado direito corre o rio Cauca e a esperança de tantos garimpeiros que fazem covas ao lado do leito e quando a cova passa abaixo do leito aí entram para garimpar a areia e apanhar as pepitas de ouro.
Conta o Gustavo que tinham morrido…”ali onde está a cruz e a cova onze homens: o rio entrou no buraco e não tiveram tempo de fugir…”
Gustavo gosta de cumbia, merengues e salsa. Um cantante pede desculpa à mulher…”sei que portei mal, perdoa-me se puderes…prometi demasiado para as minhas possibilidades, perdoa-me meu amor se puderes…”
Muda o ritmo; passa à salsa…”não sei se te amei muito ou pouco, só sei que nunca mais te vou esquecer… por mais que viva…”
Gustavo explica que um trabalhador do café ganha cerca de treze cêntimos de um euro por quilo e o trabalho é dos socalcos e quase sempre a chover no meio da lama, tendo de pagar a alimentação aos donos do café; talvez trezentos e cinquenta euros em doze horas de trabalho diário.
O que sofrem alguns para que nos chegue fumegante e cheio de fragância o robusta colombiano.
Agora vem os merengues que Gustavo adora e dedica tanta doçura à mulher que fica em casa com as duas filhas.
Passámos um camião virado. O motorista está na ambulância e a carga no desfiladeiro.
Pergunto-lhe – Então O de cima não fez nada?
Ele olha-me acanhado sem saber o que dizer e nada diz. Mais á frente exclama: nem sempre se está na graça do senhor. OK, digo-lhe eu.
Aos dois mil metros na cordilheira há um comboio de camiões e autocarros; à nossa frente um autocarro guina à esquerda para ultrapassar e guina à direita a fugir do camião que vem de frente. Parece um golpe de acordeão.
Depois dos dois mil e quinhentos metros começa a descida. Só se vêem bambus e palmeiras e relva verde e vegetação verde verde. E nuvens a tapar o azul.
De repente vindos dos nada dois garotos aproveitam a pouca velocidade do camião e agarram-se à parte de trás. E não há curva, nem subida, nem descida que os descolem do camião; nem o perigo de uma travagem brusca e caírem e serem esmagados por outro camião.
Quando chegam à sua terra num passe mágico de habilidade largam o camião e param no largo causando a admiração de quem os vê “aterrar”.
E a música segue ao ritmo da vontade do Gustavo…” dava-te tudo meu amor, mas tu não queres…” A cumbia ecoa nas alturas. Ao fundo do fundo ergue-se Medellin, a cidade da primavera eterna, diz Gustavo. Cinco horas para fazer cento e oitenta quilómetros e se não fosse a perícia dele seriam muitas mais. Gustavo é arquiteto e não tem emprego. Arranja biscates a conduzir carrinhas e autocarros. Antes condutor que malandro sem trabalhar, diz ele. Boa sorte Gustavo. Que O de cima te ajude!