Botas no Terreno? Outra Invasão?

O Daesh (Estado Islâmico) ao escolher a França como teatro de operações para os ataques de Paris tem consciência que uma das consequências poderá ser levar os países da NATO, nomeadamente os EUA, a irem atacá-lo no território onde se estabeleceu.

Sendo assim os ataques perpetrados valem, por um lado, para mostrar a sua capacidade de aterrorizar as populações na Europa e, por outro lado, como chamariz às potências atingidas para que entrem na Síria e no Iraque.

O terror do Daesh é um elemento essencial da sua política interior e exterior. Aterrorizar atingindo um grau quase sem limites visa paralisar de medo as populações que controla e, no exterior, condicionar o modo de vida dos europeus.

O Daesh com os seus ataques brutais e espetaculares, cavando vulnerabilidades no “inimigo” pretende chamar a atenção das camadas da sociedade que possam sentir-se atraídas, em pleno coração das potências europeias, por tais ações e mobilizá-las mostrando o que são capazes de desafios daquela envergadura.

As ações desencadeadas, num contexto de uma desigualdade de meios arrasadora, atrai jovens prontos a vingar-se da vida que não têm e assim saírem desse submundo para as grandes manchetes dos media.

Nos seus passados encontram-se quase sempre problemas de inserção social e de natureza criminal. Haverá quem provenha de extratos com outro perfil, mas esses estarão num outro patamar, na direção do Daesh.

Nestas circunstâncias o Daesh “pica” o Ocidente para entrar nos territórios que controla sabendo que não poderá travar uma batalha do tudo ou nada, mas tirar partido da ocupação daqueles territórios e afirmar-se diante das populações como o baluarte no combate ao inimigo ocupante dos territórios.

O Daesh sabe que na Síria não tem concorrentes salvo o Partido Baas de Assad dado que eliminou tudo o que podia ser alternativa.

Os EUA no Iraque bem se arrependeram de terem colocado o Baas do Iraque na linha de combate fazendo com que muitos quadros passassem para a luta contra a ocupação.

Como a experiência demonstrou no Afeganistão e no Iraque os EUA e ou a NATO podem ocupar por um certo período um país, mas não podem aguentar a ocupação.

Os dirigentes do Daesh parecem querer legitimar a sua pretensão usando este estratagema: fazer os EUA e outras potências entrarem para lhes montar o cerco e desgastá-los tal como aconteceu com os soviéticos e a NATO no Afeganistão, com os EUA no Iraque.

As ocupações militares na atual situação mundial não podem, em geral, ter sucesso, salvo se existir no terreno uma alternativa. No caso da Síria, os EUA e a França pretendem derrubar o regime sírio, o que complica os entendimentos para uma saída dado que a Rússia apoia o regime do Presidente Assad. E até ao momento o que se perfila é entre o jiadismo da Al-Qaeda e o do Daesh.

Na luta contra essa ocupação os jiadistas irão reagrupar forças e impedir quem quer que seja de se apresentar como alternativa, caso o regime sucumba.

Na verdade o facto dos EUA apoiarem o grupo AL- Nusra, próximo da Al-Qaeda , levanta um sem número de questões face ao futuro figurino político-constitucional da Síria se saísse vitoriosa a solução norte-americana, dado que Assad é dos poucos dirigentes, em todo o mundo árabe, que defendem uma República laica, sem perseguições às minorias religiosas e onde lhes é permitido terem locais de culto, o que não é possível na vizinha Arábia Saudita.

Antes de entrar na guerra de ocupação os EUA e a NATO deviam pensar nas consequências de tal opção a partir dos desastres criados com as invasões do Afeganistão e do Iraque que estão na base te toda a atual situação no Médio-Oriente e a subida exponencial do terrorismo jiadista.

Quando as populações com um passado milenar se sentem confrontadas entre um ocupante e os defensores dos territórios sob ocupação o pêndulo da balança cai para o lado dos que resistem.

Nessa situação e face ao poderio dos países do Golfo, ao conflito entre sunitas e chiitas- expressão da competição regional entre o Irão e a Arábia Saudita- serão muito provavelmente subvertidas todas as fronteiras entre os diversos Estados legadas pelos acordos que ditaram a descolonização.

Os mais fortes e poderosos tenderão a abocanhar regiões e territórios de outros mais pequenos e levar a cabo uma política de limpeza étnico-religiosa.

O Iraque era com muitos problemas um país unificado e com peso na região e no continente. Hoje é um país dividido pelas lutas intestinas entre chiitas, sunitas e curdos. O que se passou na Líbia foi tornar o país um território sem lei e sem governo capaz de governar. O que se está na Síria poderá ir na mesma direção. O Egito está paralisado. A Tunísia sob ameaça. O Líbano no fio da navalha, como sempre. Os palestinianos totalmente à mercê da ocupação israelita. A Turquia metida no atoleiro e protegida pela NATO a criar um novo conflito com a Rússia. Fica o gigante a dominar os cordelinhos desde Riad, apoiando tudo o que seja obscurantismo.

O Ocidente com os EUA à cabeça parece que não aprenderam com as lições recentes ou será tudo isto mais que isto e insere-se num clima de pré-guerra que não se sabe onde vai parar?

A situação internacional marcada por tantos conflitos em regiões vitais como o Médio-Oriente começa a ficar saturada de tantos conflitos. Juntar mais aos existentes pode ser o início irreversível de um mais generalizado.

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