AUSÊNCIA DE TRAÇOS RURAIS, SENDO ACENTUADOS OS SUPERFICIAIS

O título Influencer atribuído à operação que levou à queda do governo liderado por António Costa, até no domínio da psicologia, diz tudo. “Já então a raposa era o caçador”, como escreveu Herta Müller.

A operação desmoronou-se com o Acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Não passou de uma coisa mal-amanhada que se abateu sobre duas das mais importantes instituições do país como um terramoto de grau máximo.

Ao invadir os domínios que invadiu, durante o tempo que entendeu, não descobriu nada de substancial e, apesar disso, a mais alta figura do Estado entendeu que aquelas não coisas envolviam Costa.

Prevaleceu o sentido mais oportunista da politiquice, criando as condições para mudar a agulha política à governação, alimentando na sociedade portuguesa, já de si descrente nos governantes e nos candidatos a governantes, mais descrédito de que a extrema-direita se aproveita, como se viu nos últimos resultados eleitorais.

Convém lembrar que uns tempos antes o homem confessou, a caminho de Viseu, conduzindo uma jornalista, que tinha um sonho e quando um homem sonha a obra aparece, não é? Tudo se liga.

Numa investigação um sinal não passa de um sinal, como bem sabe qualquer principiante. Bastou, porém, um sinal arrancado nos confins da imaginação para o MP achar virginalmente que “aquelas coisas” eram o que visivelmente não eram…

Com um sorriso entre o patético e o apanhado em flagrante, o homem que demitiu Costa disse que não comentava, mas comentou e concluiu que Portugal ia ter alguém no Conselho Europeu (algo hipotético, dependente dos resultados eleitorais) o que demonstra a sua propensão para as desculpas de má consciência e de dizer o que lhe sai por impulso primário.

A sua expressão facial era demonstrativa do incómodo de um homem à deriva e apanhado na ratoeira de um parágrafo que envergonhará os seu(s) autor(es) para todo o sempre.

Este é o homem que diz o que diz sobre si, o filho, a PGR, Costa, Montenegro e tudo o que tiver à mão como se o vértice do Estado servisse para se exibir superficial e mundano.

O homem que disse ter um sonho e já só tinha pesadelos, pois todos os dias tinha de adiar o tal sonho de ver a direita no governo, correu a tocar a campainha da Assembleia da República, fechando-a.

Em Portugal não há eleições para Primeiro-Ministro. Costa foi candidato à AR nas listas do PS. Foi o PS que teve uma maioria absoluta. Neste homem, que tocava à campainha de outro político, tudo não passa de uma conveniência.

O homem que comenta hora sim, hora sim, não queria ir da abalada sem o sonho concretizado. Expiando culpas, uma espécie de arrependimento judaico-cristão pela maldade praticada, apontou Costa para Bruxelas.

Já não é apenas a crónica incontinência verbal. Precisa de atear fogueiras para as apagar com novas achas. As classificações de caráter de Costa e Montenegro baseadas nas origens de cada um revela um “novo” traço da personalidade do homem. Até onde irá MRS ou já entramos num outro domínio?

Correndo o país a beijocar, alargando o raio de ação até às velhinhas ucranianas, o homem parece estar cada vez mais fechado em si, acompanhado de uma terrível solidão. No palácio onde continua a congeminar, a solidão persegui-lo-á. Por este andar só os disparates lhe farão companhia.

https://www.publico.pt/2024/05/07/opiniao/opiniao/ausencia-tracos-rurais-acentuados-superficiais-2089507?

MÚSICA DO KHORASAN – OS BADIEH

Um espanhol de Salamanca (Michel Gasco), um iraniano (Mohammad Miraghazadeh) e um afegão Ramin Ahmadi do grupo Badieh atuaram no auditório da Gulbenkian no dia 4 de maio.

Platão acreditava que a música era um modo de educar os cidadãos a serem melhores e a elevarem-se do cinzentismo do quotidiano. Na esteira de Pitágoras, via a inspiração como um esforço racional, contrariando a ideia vigente de que provinha da proteção das divindades.

Há mais de dois mil anos defendia a educação dos cidadãos pela música. Os fascistas clericais no poder, em Kabul, proibiram a música.

A música perturba o silêncio dos cemitérios dos talibans. Aliás, tudo os perturba. O ruído dos sapatos de uma mulher; o próprio rosto das mulheres.

Têm muito medo, designadamente da sua condição humana. Tudo o que é humano lhes mete medo. Esse medo leva-os à cruel e impiedosa desumanidade. Têm de impor a tristeza e a maldade.

Como podem suportar a alegria de uma canção popular que nos faz imaginar uma caravana de cavalos ou camelos nas estepes entre o Irão e o Afeganistão?

Ou o ritmo alucinante das tabla do afegão Raman Ahmadi numa estepe de cavalos loucos de tanto azul e tanto sol?

Ele dedicou uma das músicas ao povo que não pode ouvir músicas sob pena de açoites.

A voz de Mohammad, a certa altura, suspende-se na vastidão da estepe e Michel no seu alaúde- Rubab- segura-a no alto até ela descer aos nossos corações e sorrirmos para dentro. Adivinha-se nos vizinhos das cadeiras. Como uma libertação.

Emana daquela música o desafio do nosso caminhar como ocorre quando ouvimos flamenco. Alguém que enfrenta algo. Parece que a palavra flamenco resulta da aglutinação de duas palavras árabes, felah, camponês e mengu, em fuga, in Lutas da Miséria de José Paulo Leitão. Talvez uma fuga para o desconhecido, como o povo cigano.

A alegria toma a configuração da chegada de uma caravana ao caravançarai para descanso de tanto caminhar, nessa Rota a levar e a trazer que os nossos Descobrimentos fizeram sucumbir .

Tanto ritmo, tanta alegria, tanta vida que fazem os talibans tremer de medo. Impõem aos compatriotas de Ahmadi o silêncio dos cemitérios. Tal como Neruda escreveu que os ditadores podiam arrancar as flores, mas não podiam deter a primavera; em Kabul podem proibir a música mas não podem impedir os pássaros de cantar, nem os humanos com as suas cordas vocais de os imitar. O bando fascista que tomou o poder derrubando ilegalmente Allende, com medo da guitarra de Victor Jara, cortou-lhe as mãos. Mas a música resistiu e resiste.

No grande auditório da Gulbenkian algo de sublime aconteceu no sábado, 4 de maio de 2024. Platão e Pitágoras tinham razão. Durante uma hora com a música dos Badieh andei com as caravanas da Terra do Sol – Khorasan e com aqueles povos na tristeza e na alegria. Que bom.

Nuno Melo suja a honra das Forças Armadas resgatada há 50 anos

É interessante verificar como em circunstâncias históricas, tão distintas, as classes dominantes se socorrem dos mesmos instrumentos para justificar o que não tem justificação. 

O governo através do seu Ministro de Defesa, o barítono Nuno de Melo e a Ministra da Administração Interna vieram a público defender a integração nas Forças Armadas de jovens autores de certos crimes, vendo por esse facto limpas as suas manchas criminosas. 

Tal defesa ideia coloca em cima da mesa a questão que é da mais alta importância – a recusa da juventude da vida militar.

Este fenómeno não é especificamente português. Os media franceses, alemães, ingleses, polacos e outros dão conta da fuga dos homens ucranianos à guerra. Há milhões de homens que fugiram da Ucrânia para não fazer a guerra. 

Tem-se criticado muito, no lado ocidental, a utilização da Rússia de presos que ao irem participar na guerra ficaram livres da prisão e que no assalto a Bakhmut muitos deles acabaram por ser mortos em combate. Mas noblesse oblige

Sempre valerá ter presente que desde os séculos XIII ao século XX, os presos, os vagabundos, os jornaleiros e os desgraçados sempre foram incorporados à força para a tropa portuguesa.  

No livro recentemente publicado na Editora Jornal do Fundão e Canto Redondo, “Lutas de miséria”, cujo autor, o advogado José Paulo Leitão, leitura que recomendo vivamente, é dado a conhecer através de diversas investigações como eram, em muitos casos, constituída a tropa portuguesa. Transcrevemos …” No século XVIII, os vagabundos ainda eram classificados como delinquentes, ficando sujeitos a açoites, a prisão, a trabalho não remunerado … e aqueles miseráveis passam a ser integrados forçadamente no exército, na marinha … Pag. 151, 152 

… os pobres e os mendigos não autorizados que a Coroa portuguesa recrutou, compulsivamente na Guerra da Restauração … Pag. 153 

No sec. XVIII o recrutamento significava um dos maiores flagelos com que os governos podiam atormentar as populações … Na segunda leva figuravam os presos e os violentados … Pag. 154. 

Socorrendo-se de Aquilino Ribeiro o autor transcreve … Dada a repugnância que sempre manifestou o povo português pela vida militar, foi preciso que a operação se fizesse pelo processo antigo, demorando a “fazer homens”, pag. 162, a prepósito da Guerra Fantástica.  

A incapacidade do atual governo de mobilizar jovens para o serviço militar, responde com métodos antigos com séculos de existência.

Como já não é possível as autoridades irem “fazer homens” empreender-se-ia esta política “patriótica” de premiar jovens praticantes de delitos com a entrada na tropa em troca de ficha criminal limpa, esquecendo-se estas luminárias, por ignorância, que depois de limpa a ficha a deserção acontecia em todos os cantos.  

A experiência deste tipo de recrutamento apenas beneficiou momentaneamente a incorporação forçada e tornou-se dentro da tropa um problema sério de disciplina e criminalidade. Só ministros desta estirpe eram capazes de recuar séculos à procura da modernidade.  

A beleza da música do Cáucaso na Gulbenkian

Vardan Hovanissian é turco e toca saz, uma espécie de alaúde. Emre Gültekin é arménio e toca duduk, um instrumento de sopro, popular no Cáucaso.

Correm o mundo a tocar e a cantar juntos, contrariando as relações tensas e dolorosas entre a Turquia e a Arménia.

No início do concerto chega-nos a alma das montanhas, uma sensação arrebatadora e simultaneamente serena.

Uma espécie de tristeza que nos acompanhará sempre, mas que de cima da montanha ganha outra expressão. A tristeza de que nos falava Vinicius de Morais.

 É curioso que a tristeza sobe apertada pelo ritmo impetuoso da melodia até explodir na mais densa alegria policromada que nos impele a bater com os pés no chão, a saltar e a imaginar as cabriolas das danças de grupos de homens nas montanhas caucasianas.

O duduk toma conta da nossa mente, leva-nos pelo sonho, por um mundo melodioso onde os homens e mulheres vão em busca do melhor da vida, da beleza, tanto basta para ser melhor. O sopro é como um chamamento ao nosso interior, às nossas tristezas, às nossas alegrias, ao que fomos e ao que seremos.

O saz acompanha esta toada e, às vezes, escapalha-lhe e segue à frente e, então, o duduk responde e acelerando os ritmos (quase sempre) e transformando uma canção de amor numa música arrebatadora de ritmo e um tropel de alegria.

Esta música das altas montanhas caucasianas é densificada de mistério, amor, tristeza, alegria que todos os humanos encerram.

Subimos na música às altas montanhas e dali talvez se veja melhor o mundo. Essa visão permite encarar a nu a dialética entre a tristeza e a alegria.

É verdade que a verdadeira alma humana está onde estiver cada um de nós. Mas não será menos verdade que ao ouvirmos estes dois músicos tocar tão antigos instrumentos somos conduzidos  ao reduto mais recôndito de nós, aonde nos sentimos humanos, aonde a tragédia entre Arménia e Turquia desaparece e a música de ambos vale como um suspiro de vida e de beleza.

Há momentos que nos aconchegamos tanto às melodias que pensamos que não deviam acabar e se deviam prolongar até os nossos ouvidos e os nossos olhos em diálogo dizerem-nos basta, estou feliz. Não chegou esse momento ao longo do concerto. Como uma despedida em que já só pensamos no próximo encontro. Bem hajam.

CHARLES MICHEL NA SENDA BELICISTA DO IMPÉRIO ROMANO

A expressão latina… se vis pacem, para bellum…(se queres paz, prepara-te para a guerra) vale como imagem de marca do império romano na busca do domínio dos povos que foi submetendo por via da superioridade militar das suas legiões.

O seu poderio militar era de tal monta que intimidava e subjugava os povos recalcitrantes.

  O império romano, como todos, aliás, acabou por cair. O visigodo, Alarico I, tomou Roma e saqueou-a em 410.

Os impérios europeus para impor a “paz” aos povos colonizados preparavam-se para a guerra. Escravizaram, assassinaram, destruíram, subjugaram. Foi o que se viu.

 Como escreveu o centenário Edgar Morin, a Europa é …o maior agressor dos tempos modernos, o que ainda hoje é ocultado à consciência dos europeus… Pensar a Europa, Edições Europa- América.

Preparar a paz com a preparação para a guerra foi sempre o escudo protetor dos inimigos da paz e da cooperação entre os povos e os países. Na verdade, se queremos paz, preparamo-nos para a paz e não para a guerra.

O texto de Charles Michel, Presidente do Conselho Europeu, publicado no Público de 18/03/24, Pesquisa | PÚBLICO (publico.pt) explana com veemência os motivos pelos quais a Europa deve embarcar com toda a força no comboio da guerra para alcançar a paz…

A Europa é mais do que a U.E. Foi forjada de muitos diálogos e de muitas guerras e de grandes sangrias entre cristãos e muçulmanos, cristãos e judeus, cristãos e protestantes, burguesia e nobreza, burgueses e operários, liberais e absolutistas, democratas e fascistas e outros totalitaristas. A nossa História não é só feita de coisas fantástica, há horrores diabólicos.

Após a implosão da URSS surgiu a grande oportunidade de a Europa se pacificar e assumir a sua grandeza civilizacional e engendrar algo novo. Mas sucedeu que a velha Europa, já sem medo do comunismo e de certa forma da própria social-democracia, deixou-se ir na onda neoliberal e na vassalagem aos velhos descendentes de europeus que mandam nos EUA.

 Desaparecido o Pacto de Varsóvia e o perigo comunista, a NATO não se dissolveu e apesar das promessas solenes de que não se alargaria para os ex países socialistas integrou-os a todos na sua máquina militar e ao longo da fronteira da Rússia.

Repare-se: os EUA, com John Kennedy na Presidência, ameaçaram com armas nucleares a URSS por ela ter instalado armas nucleares em Cuba. Não se tratava de Cuba integrar o Pacto de Varsóvia…A Ucrânia na lógica dos EUA/NATO/U.E. pode integrar a NATO e a fronteira da Rússia passar a ser com os 32 países da Aliança.

Depois o Ocidente prometeu tudo à Ucrânia as long as it takes…Os EUA, face ao descalabro militar da contraofensiva ucraniana, começaram a desligar…A Europa, a U.E. entenda-se, onde se trava a guerra não desliga, tal é a cega obstinação.

Alegam que se desligam, os russos, os que nem frigoríficos haviam de ter pois precisavam dos chips para o armamento ( Ursula dixit), os que não tinham rações de combate, nem botas, os que não aguentariam as sanções, vão tomar a Europa. Os novos visigodos.

Pensemos um bocadinho. O único que disse que não negociava foi Zelenski. Por que não se pode negociar agora: a paz na Ucrânia, a segurança na Europa e no mundo, as relações entre a NATO e a Rússia, as relações entre a Rússia e os vizinhos. Por que não? Em Istambul, um mês depois do início da guerra, havia acordo. Por que motivo Boris Johnson a mando dos EUA foi aconselhar/pressionar Zelenski para rasgar o acordo porque lhe dariam o tal apoio as long as it takes para derrotar os russos? Os EUA estavam dispostos a lutar contra a Rússia até ao último ucraniano, e agora até ao último ucraniano e ao último europeu. E segue a guerra.

Pensemos mais um bocadinho: então a ex chancelerina Merkl, o ex Presidente Hollande, o ex Presidente Poroshenko negociaram com a Rússia e agora os seus substitutos não podem negociar, porquê?

É melhor negociar ou ir para a guerra? Já perguntaram aos jovens se querem ir morrer porque o Sr. Scholtz, o Sr. Macron, o Sr. Sunak, a Sra Ursula, o Sr. Michel, o Sr. jardineiro, de nome Josep Borrel, prometeram meter-nos em guerra num conflito enquanto não derrotarem a Rússia e a desmembrarem?

Depois do eventual braseiro nuclear na Europa será melhor ficar a China e os EUA a negociarem a “divisão” do mundo ou em guerra? Que falem os que estão calados.

Faltam aos dirigentes da U.E. mulheres e homens corajosos que enfrentem os diferentes e contraditórios interesses e que livrem o continente da guerra, negociando uma paz o mais justa possível. Prepare-se então a paz e não a guerra.

https://www.publico.pt/2024/04/04/opiniao/opiniao/charles-michel-senda-belicista-imperio-romano-2085910

A procissão da descida da cruz de Cristo crucificado

Málaga

Ao fundo, o andor representando a descida de Cristo da cruz depois de ter sido condenado pelos representantes do império romano à morte por crucificaçao. 

Não morreu apenas. Mataram no. Não foi uma encenação. Temiam no. Torturaram- no. Crucificaram-no. Tudo num terror indescritível. 

Ali está a multidão sem ter em conta a barbaridade do assassinato  como se aquele homem  não tivesse sido julgado e condenado num tribunal . Sem se interrogar, por que o mataram?

O nazareno era moreno como todos os habitantes da zona, mas os supremacistas brancos do Ku Klux Klan  mudam- lhe a cor.

 Os encapuzados seguem com a cara tapada, porquê? Para que se não esqueça a Inquisição   onde os pobres condenados seguiam de cara tapada como animais sem nome?

Se o nazareno voltasse, os que adoram o novo deus, o Santo Mercado, voltavam a crucificá- lo, chamando- lhe louco, irrealista,irresponsável, talvez comunista. 

Depois os banqueiros, os fundos do fundo, chorariam e ajudariam a fomentar a quietude basbaque, normalizando a anormalidade para bem dos nossos¿ pecados.

Só a banda musical assinala a tragédia.

A chuva também

Até quando?

PARA QUE SERVEM OS SINDICATOS- DOIS RICOS EXEMPLOS

Não é incomum, muitos trabalhadores não sindicalizados afirmarem que os sindicatos não servem para nada, o que menos se estranharia se fosse afirmado por uma qualquer entidade empregadora.

Por parte de muitos desses trabalhadores fica-lhes mal esta afirmação, até porque mostra a sua ignorância sobre os benefícios, nas suas condições de trabalho, resultantes da negociação colectiva entre os sindicatos e os empregadores, quando esta é bem-sucedida e culmina com a outorga de uma convenção colectiva de trabalho.

Muitos dos não sindicalizados desconhecem ou fazem de conta que desconhecem que beneficiam das condições de trabalho mais favoráveis das convenções colectivas de trabalho, negociadas pelos sindicatos, por uma simples razão: porque as empresas lhes aplicam essas condições, sem que a lei as obrigue a fazê-lo.

Está em causa a ignorância do alcance do principio da filiação sindical, previsto no Código do Trabalho, que pode ser ilustrado com dois exemplos práticos apreciados nos Tribunais do Trabalho.

Por desempenhar determinadas funções, definidas numa determinada categoria profissional superior, institucionalizada na convenção colectiva de um determinado sector de actividade, o trabalhador alegou que lhe deve ser atribuída tal categoria. Apreciada a causa o Tribunal proferiu sentença e considerou provado que o trabalhador exercia efectivamente aquelas funções, da peticionada categoria profissional superior, mas não lhe pode atribuir a mesma, simplesmente porque o mesmo não provou que era filiado na associação sindical que outorgou aquela convenção colectiva de trabalho.

No segundo exemplo, o Tribunal concluiu que o pagamento da remuneração de trabalho nocturno, de acordo com o estipulado em convenção colectiva de trabalho, aplicável aos trabalhadores filiados no sindicato subscritor, em montante superior ao que é pago a outros trabalhadores da mesma empregadora, não viola sequer o principio constitucional da igualdade de tratamento.

Nas grandes empresas, que celebram convenções colectivas de trabalho, por regra, a grande maioria dos seus trabalhadores não são sindicalizados, no entanto, por decisão das suas Administrações, estas empresas aplicam-lhes aquelas convenções, quando podiam não o fazer por força do principio da filiação sindical.

Serve de mero exemplo o Acordo Colectivo de Trabalho, outorgado no passado mês de fevereiro entre os sindicatos e a ALTICE PORTUGAL, no qual esta reconhece que foram abrangidos 6136 trabalhadores dos quais somente 2332 são sindicalizados.  Isto significa que a ALTICE PORTUGAL, apesar de ter fundamento legal para não aplicar o Acordo Colectivo de Trabalho a 3804 dos seus trabalhadores, que são os não sindicalizados, no entanto, não deixa de o aplicar.

Há duas razões essenciais para que as empresas apliquem as convenções colectivas de trabalho aos trabalhadores não sindicalizados.  Em primeiro lugar é do seu interesse próprio aplicar regimes laborais uniformes para todos os seus trabalhadores. A segunda razão deve qualificar-se como sendo politica, pois a aplicação pelas empresas de uma convenção colectiva de trabalho aos trabalhadores não sindicalizados, evita que estes se sindicalizem.

Os sindicatos através da negociação colectiva, que por força da lei deve ser promovida pelo Estado, melhoram as condições de trabalho de uma grande maioria de trabalhadores que não são sindicalizados, o que significa que estes, sem os encargos do pagamento de uma quota sindical, beneficiam do trabalho dos sindicatos que, alegadamente, para alguns, não servem para nada.

Por outro lado, o não aproveitamento pelas empresas, no seu interesse, do principio legal da filiação sindical serve, em última instância, para retirar representatividade e poder aos sindicatos, o que de facto acontece.

Sobretudo devido à ignorância de muitos trabalhadores não sindicalizados as empresas, que outorgam convenções colectivas de trabalho, matam assim dois coelhos de uma só cajadada: uniformizam o regime laboral para todos os seus trabalhadores, sindicalizados ou não, e contribuem para evitar a sindicalização daqueles que não precisam de se filiar em sindicatos, e pagar uma quota, para beneficiarem do trabalho dos sindicatos.

https://www.publico.pt/2024/03/23/opiniao/opiniao/servem-sindicatos-dois-ricos-exemplos-2084667

Em Gaza como em Odessa n’O Couraço de Potemkin

A Humanidade parece caminhar para um mundo ilógico e afastar-se de uma das características mais nobres dos seres humanos – os sentimentos que a faz aproximar-se dos outros e estender mão para ajudar.

Ao ver as imagens das forças israelitas a metralhar populares esfomeados junto dos camiões com ajuda humanitária, na passada quinta-feira, há naquela metralha a perceção de que quem dispara perdeu a essência que o faz distinguir de todos os outros animais.

Quem assim atira à queima-roupa contra gente maltrapilha nunca mais vai ser quem era por ter ultrapassado os limites da que a alma humana é capaz de suportar.

Eram esfomeados perseguidos como presas de caça, corridos de todos os lugares de Gaza, sob a mais avançada tecnologia militar de matar, que o único mal que fizeram foi nascerem na Palestina e serem palestinianos.

Outrora, aos judeus por serem judeus, os nazis davam ordens para os matar ao preço mais barato.

Agora são os dirigentes de Israel que dão ordens às suas Forças Armadas para expulsar, como animais bravios, os famintos e doentes palestinianos de Gaza, há cinco meses escorraçados do Norte para o Sul, do Sul para o Norte, de um canto para o outro apenas por serem palestinianos.

Não há espaço dentro do coração de cada ser humano para aguentar a suprema malvadez de disparar friamente sobre crianças, mulheres, idosos que para aliviar a fome, por já não terem ervas, raízes, rações de animais e procuravam comida junto dos camiões com ajuda.

Metralhar à queima-roupa gente indefesa só em cinema, como no Couraçado de Potenkin de Serguei Eisenstein, quando os carrascos do czar dispararam sobre a população em fuga, em Odessa, dirigindo-se para uma escadaria monumental em que se estremece com a violência e se vê carros de bebés desgovernados serem projetados numa impiedade sem limites.

Em Gaza, mais de um século depois, um dos bastiões do Ocidente com regras, como alegam constantemente, assistiu-se a um episódio de igual ressonância. Palestinianos cercados e atraídos como presas, tal como nos comedouros de caça, para serem baleados pela tropa do novo Macbeth do Médio Oriente.

E, no entanto, as emoções, não estão viradas para os palestinianos que já “aceitamos” não serem exatamente iguais a outros seres humanos com o estatuto e a estirpe de ocidentais.

Eles estão do outro lado por não aceitarem que a sua terra não é deles. No caso, queriam comida que os dirigentes israelitas confiscaram ou destruíram como na Idade Média para impor a rendição.

Para o Ocidente, Israel tem o direito a defender-se e os palestinianos a morrer de fome ou baleados pelo grande aliado.

Esta Europa supercivilizada, em que só é permitido matar três perdizes e vinte tordos por caçada, convive com a brutalidade dos carniceiros que ordenaram a matança de mais de cem palestinianos famintos, num total de mais de trinta mil, um terço crianças nestes cinco meses.

Talvez se perceba – se comerem não morrem, é preciso que morram, segundos os cálculos do Primeiro-Ministro israelita. Nesta banda, a nossa consciência enferrujada olha para o lado. Quantos mais palestinianos é preciso Israel matar? Querem inquéritos, dizem Biden, Macron, Scholtz e Cª levados a cabo pelos autores de tão horrendos crimes.

 Ninguém se lembra de sanções, nem da entrega de armas aos que foram invadidos e ocupados. Que mundo! 

https://www.publico.pt/2024/03/06/opiniao/opiniao/gaza-odessa-couracado-potemkin-2082721