Por mais voltas que o mundo dê a Rússia é um país europeu cujas fronteiras se estendem ao Extremo-Oriente. Não se pode falar de cultura europeia sem ter em conta o contributo que a Rússia deu para que ela seja o que é. Antes da revolução socialista de Outubro a Rússia era um império. Depois da implosão do socialismo soviético a Rússia, contra o que foi acordado com os EUA, viu-se cercada pela OTAN com a entrada para esta organização político-militar dos países do Pacto de Varsóvia quase todos com fronteira com a Rússia.
Os EUA é um país americano fundado nos finais do século XXVII por europeus imigrados ou fugidos da Europa. A sua grandeza também assentou na chacina dos autóctones. Criou um império que tenta impor ao mundo através da sua liderança.
A invasão da Ucrânia, violação flagrante e grosseira do direito internacional, acontece no seguimento do anunciado pedido da Ucrânia para aderir à OTAN e depois da reorganização das suas Forças Armadas e da política de perseguição às minorias russas nos territórios da Crimeia, Dombass e Lugansk. Como se sabe e se parece ignorar a Crimeia é russa como prova a luta contra a tentativa de islamização turca no tempo da imperatriz Catarina.
Para se ter uma ideia mais precisa do que está em jogo para a Rússia, imaginemos no campo oposto o Canadá ou o México passarem a ter armas nucleares da Rússia; ninguém com sentido realista acha que isso é possível porque os EUA não o permitiriam como não permitiram a Cuba no início da década de 60, quando a URSS aí estacionou misseis nucleares e os que hoje acham que os ucranianos são livres de aderirem à OTAN na altura da crise dos misseis achavam que Cuba nunca poderia ter misseis soviéticos.
A guerra na Ucrânia é hoje um desafio à paz mundial, pois assumiu proporções de um enfrentamento da Rússia com todo o Ocidente através do chamado Grupo de contacto que reúne mais de cinquenta países.
A U.E. apagou-se e através de von Leyen (parece a Ministra dos Negócios Estrangeiros dos EUA) afirma-se como uma organização sem qualquer visão própria, independente e sem uma estratégia que dê aos europeus uma conceção que os impeça de sofrer uma nova guerra mundial no seu terreno. É decisivo que quem dirige a U.E. o faça no pressuposto da defesa da Europa, dado que este continente vai de Portugal aos Montes Urais.
Não creio ser possível que sem uma segurança para todos os Estados haja segurança efetiva no continente. Esta realidade implica uma persistente política negocial em que o conflito na Europa não seja uma espécie de arredar a própria Europa do seu peso próprio no mundo e ainda um preâmbulo desejado para um conflito mais global com a China.
Uma guerra entre europeus, minando as suas bases de crescimento e desenvolvimento e destruindo os países envolvidos deixa os EUA mais líderes para ser great agaiand again , como é também o desígnio de Biden e não apenas de Trump. Os EUA não tratam bem os seus concorrentes sejam eles quem forem.
O embarque da U.E. no navio de guerra dos EUA é um grave erro estratégico que lançará a divisão na Europa, como aliás aconteceu na invasão do Iraque em que Bush e seus capangas falavam contra a velha Europa (França e Alemanha sobretudo) e a favor da nova Europa que incluía os bálticos e a Polónia e o sempre rastejantes Reino Unido, Portugal e a Espanha. Os EUA sempre tiveram os seus aliados preferenciais para dividir a Europa, sobressaindo entre todos eles o Reino Unido.
A invasão da Ucrânia só pode ser condenada, mas hoje o conflito já está para além da invasão da Ucrânia. É hoje um conflito entre a OTAN e a Rússia através dos ucranianos, sendo que neste papel Zelenskii está disponível a combater até ao último soldado e até ao último tanque seja ele qual for e de onde venha.
É curioso sublinhar que o Reino Unido a braços com uma crise social, económica e político digna de respeito tente encobri-la com a loucura dos gastos armamentistas para onde não faltam recursos que inexistem para o SNS. O mesmo se passando na França onde a austeridade governa, mas prossegue a corrida às armas. Por cá não há dinheiro para os professores, os funcionários públicos, os enfermeiros e os médicos, mas há para enviar armamento para continuar a guerra.
A estratégia da U.E. é prosseguir a política de sanções mostrando ao mundo a sua total parcialidade comparada com outras brutais violações do direito internacional como foi o caso da invasão do Iraque e é a ocupação dos territórios palestinianos por Israel.
A grande questão que se coloca é esta: a Ucrânia com o apoio da OTAN pode derrotar a Rússia? A esmagadora maioria dos comentadores, lendo quase todos pela mesma cartilha acha que sim, mesmo com a evidente destruição da Ucrânia e as muitas dezenas de milhares de mortos ucranianos até agora.
Charles Michel, Borrel e Cª prometem o que sabem ser impossível. Os EUA apesar de todo o poderio já não conseguem arrebanhar o mundo e confundem o mundo com o soi disant Ocidente.
A Rússia continua a vender petróleo e os seus recursos. A Europa está a recomprar a terceiros a preços mais elevados.
O que parece ser o objetivo dos EUA porque Zelenskii conta pouco(a não ser para pedir tanques) é criar uma guerra de permanente confronto na Ucrânia, tal como existe na Coreia, e fazer exaurir os europeus neste beco sem saída.
Nesta lógica haveria um estado de guerra permanente neste continente a quem os EUA venderiam armas e poder-se-iam preparar para o tal confronto com o que chamam de verdadeiro inimigo, a China. E porquê? Porque a China está a crescer e a desenvolver-se e esse é o pânico dos EUA. Afinal a cantilena liberal do comércio livre só vale quando são os EUA e o Ocidente a ganhar porque se o engenho, a capacidade do povo chinês prevalecer aqui d´el rei que o mundo livre está ameaçado.
Com a guerra na Ucrânia rebentam com a Europa e depois logo verão com a China. Mas convém olhar para o mundo tal como ele é – o Brasil, o Paquistão, o Irão, a África do Sul, o México e todo o imenso Sul que não reconhece aos EUA autoridade nem legitimidade para impor o seu way of life.
Noutro enfoque é de referir o facto da invasão da Ucrânia pela Rússia não ter até agora mobilizado as opiniões públicas.
Enquanto a invasão e ocupação do Iraque por parte dos EUA, Reino Unido e Espanha fez milhões de seres humanos saírem à rua desde a Nova Zelândia à Europa para protestarem, a verdade é que esta guerra em solo europeu não tem mobilizado as opiniões públicas.
As pessoas são bombardeadas todos os dias com a derrota iminente da Rússia e já lá vão nove pacotes de sanções e vem mais o décimo e que atingem aquele país e também os europeus e mais os tanques que vão chegar e os Patriot e os Himmars.
A Rússia irá ser parte constituinte da Europa, como sempre, por muito que alguns dirigentes ucranianos neonazis proíbam nomes de escritores russos ou lancem no lixo estátuas de cientistas e músicos russos.
A guerra continuará o seu curso com a U.E. cada vez mais envolvida com a OTAN. Haverá sempre dinheiro para a industria da morte que faltará para melhorar a vida dos cidadãos brutalmente atingidos pela inflação não só provocada pela guerra como por puro oportunismo dos grandes grupos económicos.
A guerra continuará a matar sobretudo europeus e a alimentar o complexo industrial-militar dos EUA que não tem mãos a medir para encher os bolsos e os cemitérios. Na Rússia o povo enfrentará dificuldades acrescidas e muitos soldados morrerão.
É difícil aceitar que os povos europeus se resignem a esta mortandade e continuem impassíveis a seguir a vida dos seus jogadores de futebol preferidos e em vez de pensar muitos uivam nas redes sociais espalhando ódios que se criam arrumados no caixote de lixo da História.
Não se sente o menor estremecimento por tanta morte e por tanto perigo. Os povos entre as dificuldades e a alienação chutam para o lado mais fácil, vociferam, mas aferroam-se ao individualismo de uma sociedade em que os media moldam à sua maneira inundando as mentes com enxurradas comunicacionais desligadas de qualquer sentido que não seja a emoção primária. Eles pensam por nós. O mundo é um lugar perigoso. Não se pode confiar em ninguém. A guerra que se lixe. Vem aí os russos, fazendo tábua rasa que foi na Rússia que caíram os invasores muçulmanos, bonapartistas e nazis.
Este é o clima atual que se apresenta difícil de mudar. Mas também é este o momento para levantar a voz contra a guerra lutando por uma solução que dê garantias de segurança à Rússia, à Ucrânia e a todos os Estados vizinhos. Convocar o passado é convocar o Diabo e para Inferno já basta o que se passa na Ucrânia.
Se a guerra terminar com a vitória de um dos lados tudo vai ser mais difícil no futuro porque os dias não acabam, salvo se a loucura tomar as rédeas dos dirigentes da Rússia e da OTAN. Então a esperança desaparecerá. Por isso é tempo de os que se prezam de serem sapiens se levantarem.
Gostar disto:
Gostar Carregando...