Teclar a Solidão

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Teclar a solidão?

Há um perigo nas ruas e nos transportes que dão viagem aos cidadãos deste mundo civilizado. Há uma espécie de feitiço que lhes fecham as janelas do mundo e os fazem perder a aventura de namorar o mundo com os olhos; o mundo que se desfruta quando se tem de atravessar uma rua ou um bairro sentado num elétrico ou num autocarro.

Agora os homens não veem as mulheres azuis que o José Gomes Ferreira via sentado no elétrico. Nem as mulheres veem os homens que as viam quando elas se sentavam e num gesto único estudado cruzavam a perna e deixavam-nos pendurados para os dias seguintes.

Nos dias cinzentos que se vão por todo o mundo à espera que a Acrópole não seja transacionado pelo super agente Jorge Mendes recém-casado pela igreja há algo que se não sabe bem o que é e se está perder.

Essa perda não é imediatamente percetível. É algo que alguns perscrutam tal foi o desaforo do escritor José Saramago no seu romance “Tratado de Cegueira”.

Anda no ar essa inquietação dos olhares. Os olhos foram feitos para dialogar com tudo e contudo estão a perder-se esses atributos únicos dos olhares procurando nos outros como colibris à procura do açúcar, no caso dos humanos do açúcar que sempre há nos lagos mais fundos de todos os olhos.

Há um sentimento de que algo não vai bem e os olhos procuram desalmadamente uma foto, uma palavra que não faz a diferença, nem traz a certeza da incerteza do amor, por exemplo, antes a exposição a cores e sem o sabor singular das palavras que nos fazem corar quando as pronunciamos fora do recato que elas nos exigem.

Não dizemos por exemplo meu amor a torto e a direito porque quem o disser sabe que não é de amor que fala, mas de uma espécie de impostura.

O que está a acontecer e se pressente é uma fuga à solidão dos dias tristes, sem crença, perdidos, tentando que a violência dessa solidão se faça esquecer numa oferta de algo que não sucederá porque só sucede o que se constrói com sacrifício e dádiva e não esperando pelo euromilhões ou pelo prémio do Big Brother ou de ser guindado a famoso pela participação no concurso da dança com as estrelas.

Estrelas sem consciência da sua condição de degenerescência tão humana que assusta os que nos querem fazer crer que a vida é uma eternidade entre os vinte e os trinta anos, como se a Sara Sampaio ou a Irina fossem feitas para esquecer as belezas de Lauren Bacall, Sophia Loren, Jane Fonda, Ava Gardner ou Brigitte Bardot.

Não sei o que o Manuel da Fonseca sentiu quando escreveu a loucura que era a Marcha Almadanin, mas é quase certo que a Tuna do Zé Jacinto corria as ruas e arrastava rapazes e raparigas pelas ruas.

O mesmo terá sucedido com a Banda do Chico Buarque quando ela passava e tudo mexia até ao íntimo dos sonhos que temos e não se ficam pela solidão de umas quantas teclas.

Há sob a forma de um silêncio tecnológico uma solidão que não é solitária porque supõe haver um outro algures que responde na mesma onda de não enfrentar o tempo tal como ele é neste Agosto.

Há um tempo de atordoamento que as notícias martelam sobre os dias difíceis que estão para vir e sobre todas as desgraças que estão a suceder no Estado Islâmico, no México, na Palestina, no Irão, em Calais e até na China.

As notícias surgem de minuto a minuto, pois o mundo é tão grande e a minha rua tão pequena e demasiado estreita para os grandes camiões.

As notícias que os órgãos encarregados de as transmitir passam são um rosário inacabado das maldades que por esse mundo correm sem cessar; são aviões que caem, crianças mortas às mãos dos pais, palestinianos assassinados e judeus com medo de andar de autocarro, polícias que matam negros na terra de Obama, homossexuais esfaqueados por o serem, ladroagem e corrupção de um lado ao outro do planeta.

São tantas as más notícias, veja-se que até a Grécia parece que amochou aos ditames dos bancos alemães que a chancelerina representa nas “negociações” com Alex Tsipras, que apetece compreender que se baixe a cabeça e se mire o telemóvel da última geração para apanhar um like ou um jogo ou o que quer que seja que chegue por essa via a quem teme encarar esta realidade.

Teclar, teclar, ficar agarrado a uma rede que impede de pensar e simultaneamente entretém até chegar ao local de trabalho ou depois a casa é um desaperto do nó dos dias cinzentos que não dão sossego a ninguém.

Vivem-se tempos desesperantes. Os desafios são colossais e foram criados pelos únicos capazes de os resolver: os humanos.

Só que entre teclar, acreditar no efémero, na possibilidade da sorte, no encontro fortuito, e enfrentar a realidade vale a fuga.

É talvez esta a razão do silêncio de tanta gente agarrada às teclas dos telemóveis. Lá fora o mundo está encapelado. Porém a cegueira pode conduzi-lo aos abismos. Apesar de à nossa frente se continuarem a sentar os seres mais belos do mundo.

Ainda Haverá Gente Honrada?

As notícias e os casos que envolvem corrupção são tão latitudinários que ocorre fazer esta pergunta simples: há ou não há polític@s honrad@s que não pactuem com a corrupção, cancro com metástases espalhadas em toda a comunidade?

Os casos conhecidos tocam sobretudo dirigentes dos partidos do chamado arco da governação e aparecem nos media ao sabor não se sabe bem de que cozinheiros…e de que cozinhados…

Universidades, equipamentos das Forças Armadas, bancos, ações, créditos, privatizações, fundos europeus, subsídios, vendas de empresas públicas, fugas ao fisco de alguns fundamentalistas defensores da austeridade, offshores, facilitadores de grandes negócios, negócios envolvendo escritórios de advogados, construção imobiliária nas mais diversas autarquias são, entre muitos, exemplos da magnitude que envolve a corrupção na vida nacional.

Abrange figuras do vértice do Estado e de áreas da governação central e local. E para além do que é conhecido e vem a público o mais grave é o que se respira na sociedade. Sente-se que ela está omnipresente desde o emprego para o militante do partido no poder até às luvas se tal negócio se se fizer de certo modo ou aos “agradecimentos” por as coisas terem corrido como foi combinado e graças à influência de Vossa Excelência

(Continuar a ler no Público Online)