O tempo da política acelerou e vivemo-la a nível vertiginoso. O mundo mudou com a implosão soviética. A invasão do Iraque culminava esse tempo de unipolaridade com os EUA como única superpotência. Era o chamado fim da História.
Só que a aceleração da História veio estilhaçar os que pretendiam fechá-la no cofre do tempo, como se fosse possível parar o tempo.
Afinal os EUA/OTAN, apesar de todo o seu poderio, não conseguiram vencer os talibans no Afeganistão.
Por outra banda, a maré neoliberal, que hoje agita o mundo e em muitos países se afirma vitoriosa, encheu-o de diabólicas impiedades, maior concentração de riqueza, um por cento da população tem quase metade de toda a riqueza produzida e a miséria, a fome espalharam-se por todo o Sul do Planeta. As naves vão ao encontro de Marte. Os telescópios descobrem o Universo profundo. E, no entanto, centenas de milhões de seres humanos não têm acesso a água e cerca de mil milhões vivem com menos de um dólar por dia.
As classes médias seguem o caminho do assalariamento. As próprias profissões liberais vivem próximas da uberização. O mundo ocidental não escapa a esta viragem, mas a pauperização absoluta não se tornou realidade. O sistema precisa na sua dinâmica que os assalariados aguentem o consumo para que a produção siga o seu ciclo.
O sistema já não enfrenta o “socialismo” dos países socialistas, sente-se livre. Paradoxalmente as alternativas ao sistema dominante entraram numa espécie de hibernação.
As democracias não estão a ser capazes de responder aos desafios atuais. Às escâncaras assumem que não haverá emprego, nem saúde, nem habitação, nem escola pública, nem justiça, nem ambiente saudável porque o Estado tem de dar a vez aos privados.
Nos media, sobretudos nos canais televisivos, a intoxicação das mentes é em doses cavalares. O dogma ganhou foros de consagração quase religiosa, quanto mais ricos forem os ricos, melhor estarão as populações, mesmo quando vivem pior.
A vida comunicacional tem o dever de fazer sentir que a vida está má porque as pessoas não querem viver e lutar para estarem melhores. Se quiserem façam tudo, mas tudo para saírem da cepa torta, haverá quem consiga e os que não conseguirem não mereciam, é o reino da meritocracia, só poucos triunfam nesta guerra contra tudo e todos.
Nesta base as aspirações dos cidadãos a uma vida digna e decente não cabem nas baias das sociedades atuais. Tanto faz que governem os socialistas como os liberais como até a extrema-direita, seja Orban, Meloni ou os suecos do Partido Democrático, que não se notam grandes diferenças. A corrupção toca em todos eles. Os partidos marxistas perderam-se entre o dogmatismo e a claudicação. Não foram capazes de resgatar e reconfigurar o ideal do socialismo que foi seriamente abalado com a implosão socialista.
A UE rendeu-se ao monetarismo neoliberal e ao militarismo da OTAN. Nada tem a propor de diferente face às correntes mais dogmáticas do comércio livre, mesmo quando se aprisionam em termos de fornecimento de energia, aceitando que o Tio Sam destrua os pipeline que poderiam constituir uma saída para a crise.
Estes governantes europeus aceitam tudo desde que as ordens venham de Washington. Mesmo quando substituem os acordos de venda dos submarinos franceses à Austrália pelos dos americanos. E até aceitaram tratamentos discriminatórios quando a França e a Alemanha não apoiaram a invasão do Iraque.
O tempo novo já não vai buscar ao velho arsenal o fascismo tal como ele se impôs, visa um certo tipo de “fascismo democrático” livre dos aspetos mais brutais e assente num anestesiamento da sociedade fechando-a em relação aos horizontes possíveis. Neste arsenal já cabem os partidos da extrema-direita ou fascizantes. É de assinalar a convergência entre Marcelo e Montenegro quanto à hipótese do Chega fazer parte de uma solução de governo à direita.
O sistema perdeu o pudor e os racistas, xenófobos e fascizantes já podem ser parte da governação, mesmo quando as Constituições o interditam. A lei só é dura se não se colocar no meio do caminho como obstáculo.
Talvez valha a pena pensar no que se vai seguir. Vão os povos seguir em manada para o matadoiro ou haverá sempre uma candeia, mesmo na noite mais escura?
A guerra está às nossas portas. Está a ser um assunto de ameaças entre os EUA e a Rússia, embora quem a sofra seja o povo ucraniano. Os EUA estão prontos para o combate contra a Rússia até ao último ucraniano.
Putin lamentou a queda da URSS, mas não segue o compromisso da URSS de nunca ser o primeiro país a utilizar armas nucleares.
É preciso acordar e pegar no futuro e fazer a História. Haja quem saia a terreiro a exigir paz, antes que seja tarde. A razão, a sensibilidade e a paixão humanas podem vencer a irracionalidade, o militarismo, o racismo a brutalidade e o fascismo com verniz democrático. Mas só se quisermos.
O quadro pessimista este que aqui nos é desenhado.
Infelizmente sem que se lhe possam apontar erros de análise, talvez um, ode introduzir na equação a dialética da história, ou se quisermos, a dinâmica das relações sociais.
Talvez devagarinho, na nossa expetativa, mas a Terra move-se
abraço
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