Disse o padre Avelino, no seu depoimento no 7º Juízo Criminal de Lisboa, na sua tremenda inocência e candura, que Ricardo Salgado (coitadinho, digo eu), não lhe deram tempo para resolver o problema dos lesados.
Fica, pois, no ar aquela negação do pretérito perfeito do verbo dar. ..Não lhe deram…E o recado – se lhe tivessem dado tempo…E ideia enviesada que ele queria resolver e não o deixaram.
O sujeito da frase… Não lhe deram… é indeterminado; quem não lho deu só podia ser quem tinha poderes para tal e daí o senhor banqueiro querer e não lhe deram tempo. Ele o pobre em luta com os poderes do Estado…
Segundo o padre, que disse conhecer o arguido “há mais de 20 anos” e que todos os domingos se encontravam na missa, além de ter partilhado almoços e jantares em casa do antigo líder do BES, Ricardo Salgado “sempre foi uma pessoa com regras”, de “grande confiança” e cujo “porte firme” reconheceu admirar.
O padre Avelino utilizou a expressão abstrata em relação às regras que seguia, no que coincide com o despacho de acusação e até em parte como da pronúncia onde são definidas as regras que o banqueiro seguia e mostravam o seu porte firme em se apoderar do que não era seu. Aliás a sua “grande confiança” no que estava a fazer.
O Senhor cura lá foi em socorro do banqueiro com quem partilhava almoços e jantares, pois não é homem de deixar o seu amigo…”Convivi com ele nestes momentos mais difíceis porque os amigos não devem fugir nestas ocasiões. Nestas adversidades ele tentou explicar o assunto, mas eu não quis saber. A nossa amizade está acima dessas controvérsias”.
Na verdade, o amigo Avelino não faltou às regras e não se esqueceu dos convívios em almoços e jantares.
Na Bíblia os homens da estirpe do banqueiro não foram muito bem acolhidos no Templo que Cristo visitou. É verdade que os almoços e os jantares não eram na Igreja, mas em casa de Ricardo Salgado.
Claro que faz diferença, mas o homem de regras que um padre deve ter a nível moral ao declarar que não deixaram o seu amigo resolver o problema dos lesados talvez esteja a violar regras que na melhor consciência cristã não devia violar porque deixou pairar a ideia sibilina de que o impediram de fazer.
Ricardo apoderou-se do que não era seu e arruinou a vida de milhares de cidadãos que confiaram no homem que não cumpriu com as regras que o BES dizia cumprir.
Não há detergente que lave esta desgraça. Tentar alijar as responsabilidades de quem teve esta conduta descrita na acusação/pronúncia é interceder na justiça terrena por quem não o merece, tendo em conta o referencial religioso do padre Avelino. Muito provavelmente Ricardo Salgado já se esqueceu que Avelino é padre, segundo a sua recente enfermidade.
No que toca à outra justiça, a divina, fundada na crença em que Deus tudo sabe, não irá na ladainha dos convívios de almoços e jantares e não deixará de avaliar o modo como o padre Avelino intercedeu pelo banqueiro, sempre na perspetiva defendida pelo padre Avelino em relação à justiça divina, a de zelar pelo supremo Bem e não pelo Mal dos pecadores/criminosos.
E o 8º mandamento de Deus…Não levantar falso testemunho… lá estará em equação, dado que na justiça divina a omnisciência do Deus conhece por dentro e por fora a real intenção do senhor padre Avelino.
Cá por baixo na Terra Ricardo Salgado teve tempo para tudo, até para se apoderar do que não era seu e arranjar este seu bom amigo.