O “já” do Dr. Pardal.E depois?

O tempo onde estamos mergulhados acelerou, sobretudo no que faz acontecer. Tudo parece voar.
A apreensão do tempo é a perceção de saltos de acontecimentos que se dão e, em grande medida, nos são transmitidos pelos media. O tempo é o grande invólucro onde tudo sucede, se incumba e se transforma. As sociedades humanas vivem a um novo ritmo.
Uma característica desta velocidade é trazer no seu bojo mutações rápidas que alteram a realidade da produção e consequentemente o modo dos seus atores percecionarem a realidade circundante.
Por via dessas mutações sobretudo tecnológicas gerou-se uma atomização propenso ao individualismo. O que conta é o imediato. É a realidade pós moderna.
Tudo parece volátil e vazio, pois os instantes dão lugar a outros instantes. A um ritmo frenético. E ponto. Quase como se não houvesse passado e o futuro fosse já, o que se vive, o imediato. Como se o genial poeta persa, Omar Kháyyám, voltasse a incitar a beber vinho porque o dia de amanhã não interessa, apenas a alegria do instante. O amanhã para o grande vate era o nada a que todos estão condenados.
O sindicalismo vive também tempos de mudança. Por ação das forças que comandam as relações produtivas e dos seus impactos na mente dos atores dos processos.
É interessante tentar a esta luz compreender como a luta de uma classe ( ou um setor, no caso o dos motoristas de matérias perigosas) que exige unidade, determinação, sacrifício e ação coletiva se revê num dirigente cujo perfil é exatamente o oposto da própria natureza do mundo que representa.
No caso destes motoristas estão em causa condições de trabalho duras e o seu principal líder assume uma vida de capa de revista de famosos e alega ter uma atividade como advogado de renome internacional o que lhe assegura, segundo o próprio, um escritório de enorme sucesso mundial. O seu aspeto bem cuidado nada tem de ferrugem, antes está mais próximo do glamour.
A forma de luta adotada – uma greve de abastecimento de combustível por tempo indeterminado – visa criar tal impacto na vida da comunidade que obrigaria por pressão do governo a ANTRAM a ceder.
Ora no domínio da luta política é necessário e obrigatório ter em conta as armas do patronato e, no caso presente, ainda as do governo que tentou a conciliação e não o conseguindo certamente usaria os poderes de que dispõe, e que são imensos. Todos se recordarão do impacto da greve de abril. E seria de supor que o governo não se deixasse surpreender.
Obriga ainda a refletir o sentido que leva o sindicato de motoristas de matérias perigosas a não se rever na CGTP ou UGT e a identificar-se com um líder cujo perfil está a léguas da realidade de quem conduz camiões e autotanques.
Por outro lado, são muitos os que trabalham e pedem aos patrões para não fazer descontos porque o peso do presente é infinitamente superior ao tempo futuro; o que vale dizer que o futuro que se lixe.
Uma sociedade, comandada por valores em que o futuro não conta, vive do imediatismo. Uma greve por tempo indeterminado ou é um êxito imediato ou um desastre.
Do que se lê e do que se ouve do Dr. Pedro Pardal Henriques ele acredita que com esta liderança assegurou o seu futuro. Os mercadores das vontades são uma espécie de cucos que fazem ninho em terreno que não é deles.
Esta é uma nova realidade que salta aos olhos de todos. Mesmo no mundo sindical. O que conta é o já. Aliás o já é bem mais fácil que o e depois?
O mundo está a mudar. O ritmo é avassalador. Não voltará aos tempos antigos, mas certamente que o passado voltará a pesar. As lições destes imediatismos custarão a ter em conta, mas será inevitável apreender e aprender o caminho das lutas futuras.
Nem sempre os cálculos baseados no imediatismo batem certo, porque os outrostambém os fazem e podem opor-se com sucesso, o que qualquer dirigente deve ter em conta na condução das batalhas.
In Público de 14/08/2019

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