Na Arábia Saudita, nas últimas semanas de maio, foram presas, segundo noticias várias, dezassete ativistas dos direitos humanos e, pelo menos, sete são mulheres que ousaram falar para os media, o que põe em causa a segurança do reino, de acordo com as autoridades.
As prisões aconteceram precisamente antes do início da entrada em vigor da nova lei que permitirá às mulheres fazer exame de condução, e são um aviso aos ativistas dos direitos humanos que a opressão e a repressão continuam vigentes e não irão permitir outras veleidades, como sejam a de as mulheres se considerarem cidadãs, como os homens.
A monarquia saudita constitui um caso totalmente anacrónico no nosso mundo. O reino vai-se o aguentando com os lucros fabulosos dos poços de petróleo e através da repressão cruel contra a população que não aceite o absolutismo e, em especial, contra as mulheres, tidas como seres inferiores.
Pode imaginar-se imaginar um país onde estão proibidas salas de cinema? Em que uma mulher só pode sair à rua com a permissão do marido ou de um homem da família? Ou em que o marido ou outro homem é que decide do tratamento médico a dar à mulher doente? Ou em que as mulheres não podem conduzir veículos automóveis?
Bem pode o príncipe herdeiro Mohammed Ben Salmane anunciar, com pompa e circunstância, o seu programa “Visão 2030” como um conjunto de reformas para dar às mulheres um papel de cidadania que nunca tiveram.
Bastou algumas mulheres falarem aos media para que o reino dos sabres se sentisse em perigo e logo caísse e repressão prendendo esses dezassete ativistas dos direitos humanos.
O terror quotidiano que se abate sobre os sauditas é um incómodo para os governos ocidentais. A monarquia saudita, devido aos cheques pela compra de montanhas de armas para ocupar o Iemen e intimidar vizinhos, não teme os vendedores.
Nessa “Visão 2030” as mulheres poderiam em certas circunstâncias conduzir a partir de 24 de junho tal, como noutras, já puderam ir aos recintos desportivos.
Nessa “Visão 2030” que Trump elogiou a primeira das condicionantes é saber quem vai dar aula de condução às mulheres dada a proibição de homens e mulheres interagirem naquele país.
Se até 24 de junho as mulheres não podiam conduzir, certamente não haverá instrutoras para ministrarem as aulas teóricas e práticas.
Serão seguramente homens que ensinarão as mulheres a conduzirem, o que chocará com os fundamentos daquele país, na medida em que colocará um homem a falar com uma mulher dentro de um carro, o que constitui um sacrilégio…
Bem pode a “Visão 2030” proclamar que as mulheres poderão, por exemplo, frequentar estádios desportivos, porém mantem-se a questão – as mulheres podem andar sozinhas na rua? Se não podem, como é possível irem aos estádios?
A campanha para embelezar o reino das degolações nas madrugadas das sextas-feiras é um verniz para esconder a sujidade de quem não é capaz de aceitar que os cidadãos, particularmente as mulheres, sejam minimamente livres de falar, reunir, organizar-se e de ter a crença religiosa que decidirem.
O verniz é de tal ordem que uma das princesas Hayfa bint Abdullah-Saudi se sentou ao volante de um luxuoso descapotável na capa da revista Vogue, mas apenas para tentar com a foto enganar o mundo e tapar a realidade. Na verdade, como se vê na Vogue, a princesa pode sentar-se num descapotável e ao volante…e o resto? Aliás a foto suscitou em todo o mundo árabe inúmeros comentários desmistificadores da “Visão 2030”.
Entretanto as cadeias continuam à espera de quem ouse dizer que o reino saudita é o que é, uma instituição que não se compadece com os maiores anacronismos e iniquidades como sejam o de respeitar os mais básicos direitos que se respiram no mundo e sufocam naquele país. Na verdade, qual é o país que impede uma mulher de andar na rua sozinha? De ir ao médico sem um homem? De ir aos estádios? De conduzir?
Texto do Público online