É evidente que as instituições são moldadas pelos homens que têm à sua frente. Mas não só. E aqui entra o que poderá ser um lado novo no fenómeno da alienação. É fácil constatar a universal alienação que a máquina do futebol está a provocar.
Como o mundo está um lugar difícil para se viver ou até sobreviver para a maioria, o futebol pode gerar identidades, alegrias e frustrações coletivas a quem só tem o triste quotidiano.
Quem tiver de conviver com os dias sem luz, a esperança múltipla da comunidade dos que “morrem” pelo seu clube (porque já não há mais nada para se morrer por…) é um fator de alento.
Nas instituições do futebol, neste momento histórico, coexistem instituições, dirigentes e massas associativas que se irmanam, sem estarem irmanadas. Essa simbiose é um dos elementos mais extraordinários da cegueira humana.
Se o clube do adepto for investigado por crimes graves, como por exemplo o da capacidade de se infiltrar na máquina judicial, para o grosso dos associados, este crime não é nada, apenas um instrumento da luta entre os clubes.
Em certo sentido, já não é apenas a direção do clube que não se distancia do que está a ser investigado, mas ainda a fusão entre a massa alienada e a instituição e os seus dirigentes.
Nada interessa a não ser que, se hoje o “meu” clube está em investigação, outros já estiveram por piores situações, e a investigação em curso tem a ver com a luta contra o “meu” clube, a qual já passou para o próprio M.P. e sistema policial a quem se jura colaborar.
Há até quem considere que no atual “esgoto” para que as coisas fiquem equilibradas se deviam reabrir os processos da fruta e eventualmente outros, porque afirmam, alguns, até excelentes juristas, que as provas ilegais não o são.
É este o mundo em que vivemos.
De um lado a instituição dirigida por homens que se protegem, “protegendo” a instituição. E, do outro lado, a massa dos cegos, do conjunto dos esfomeados de glória do seu clube, nem que seja à custa das infiltrações nos meandros da justiça.
Chegados aqui pergunta-se: é a cegueira obrigatoriamente uma fase do desenvolvimento atual da Humanidade?
É preocupante viver num país em que tanta coisa está profundamente errada mas onde nada muda; onde o futebol se mistura com política e, em vez de ser uma escola de virtudes, mais parece uma instituição de malfeitores; onde as ilegalidades são banalizadas e interpretadas como legais e onde o normal do dia a dia é o laxismo, o “deixa andar”…
É um gosto ler Domingos Lopes pelo equilíbrio e assertividade dos seus artigos e seria excelente que todos os portugueses o lessem, meditando nas sábias palavras do autor.
Certamente haveria uma mudança, ainda que lenta, na sociedade portuguesa que dela bem precisa…
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