Viva la Muerte!

…” Uma morte gloriosa era preferível a uma existência aviltada…” é uma frase retirada do romance de Ma Yuan “Mudanças”, escritor chinês, prémio Nobel da Literatura em 2012, a propósito da vontade da personagem principal de se alistar para ir invadir o Vietnam. Dá que pensar pela sua atualidade.

Nem sempre será possível explicar tudo; haverá sempre em matéria de comportamentos humanos zonas de sombra e escuridão.

Assistimos atónitos à conduta de homens e mulheres que sacrificam a vida suicidando-se para sair da existência aviltada e abraçar a morte que dá acesso à glória.

Na execução por parte do Daesh de cinco alegados espiões no início deste ano o carrasco afirmou perante a câmara do vídeo dirigindo-se a Cameron … “ Somente um imbecil se atreve a enfurecer um povo que ama tanto a morte como tu amas a vida”…

Presume-se que este povo sejam os habitantes sob controlo do Daesh que como se sabe não constitui historicamente nenhuma nação, mas o importante não é esse “detalhe” mas a glorificação da morte. Haverá algum povo que ame mais a morte que a vida? Se por acaso houvesse já não existia.

Voltando ao romance “Mudanças” a personagem quer morrer gloriosamente ao serviço do Exército de Libertação Popular da China até porque os seus progenitores receberiam a merecida compensação….

A vida insignificante levava-o em busca do heroísmo e da glória e da compensação da família humilde pobre, sem meios para sequer sustentar os filhos, a tal vida aviltante.

Num livro editado pela Editora Ulisseia em 1973 e traduzido por Maria de Lamas cujo título é “ Estas vozes que nos vêm do mar” constituído por cartas de estudantes japoneses que combatiam em todas as frentes do Extremo- Oriente, nas montanhas da China, nas Ilhas do Pacífico ou nas densas florestas da Birmânia. Eram pilotos de aviões- suicidas, Kamikazes, condutores de Kaitens (torpedos humanos), marinheiros e soldados da infantaria.

Albert Camus escreveu a propósito do suicido que era a confissão que a vida não valia a pena.

Nos Kamikazés, cujo significado literal é vento divino, o suicídio, tal como nos jiadistas, vale de modo radicalmente diferente da definição de Camus.

Tokuro Nakamura, estudante de Geografia, em combate nas Filipinas, numa carta enviada aos pais dizia horas antes do sacrifício”… Anoiteceu…Vou partir com coragem…Deixei no regimento as minhas unhas e os cabelos…Depois de cortar o cabelo fui comprar alguns livros levo-os comigo…”

Akio Otsuka, estudante de Direito, antes de se suicidar a bordo do seu avião escreveu”… 11:30, última manhã…vim almoçar e depois irei para o aeródromo. Creio na vitória da Grande Ásia…. Será lua cheia esta noite…Contemplá-la-ei ao largo de Okinava e escolherei o navio inimigo…”

Yasuo Ichijima, estudante da Univ. de Tóquio, escreve a 24 de Abril de 1945… “ sinto-me honrado e orgulhoso por poder oferecer à minha Pátria, que amo infinitamente, uma vida de pureza…”

Ichizo Hayashi , estudante de Economia Politica da universidade de Tóquio, escreve à sua mãe momentos antes de embarcar no seu avião em Okirava…” Ao despedaçar-me sobre o inimigo rezarei por si…” Encarrego Ueno de lhe mandar esta carta, mas nunca a mostre a ninguém. Sinto-me envergonhado…”

Quer os jiadistas, quer os Kamikazés praticavam o suicídio com o intuito de provocar o maior número de mortos no inimigo.

Há, no entanto, uma diferença – os kamikazés visavam as tropas adversárias; os jiadistas utilizam as bombas humanas não só na guerra como também contra os cidadãos de outros países de modo totalmente indiscriminado, podendo até dar-se o caso de atingirem pessoas que nos países respetivos se pronunciaram contra as invasões e a guerra perpetradas pelas potências atacantes.

Neste mundo pleno de tensões, conflitos, incluindo bélicos, a morte está por todo o lado.

Desde logo onde não a vemos: no Iraque, na Síria, no Iemen onde ela resulta dos combates bélicos travados.

E depois onde ela é vista ad nauseam – nos cenários escolhidos pelas elites dos jiadistas e que visam espaços de vida normal onde se desfruta a vida.

Nos cenários de guerra, os bombardeamentos da Síria, do Iraque, do Iemen são apresentados pelos media globais de tal modo que os cidadãos se sentem anestesiados face ao horror de quem os sofre,

A morte às mãos dos terroristas, cara a cara, olhos nos olhos, geram emoções muito mais fortes e a condenação expande-se sem fim.

Entre os que preparam o suicídio para matar gente absolutamente indefesa e os kamikazés que o faziam para enfrentar o inimigo armado vai uma grande diferença – os jiadistas matam gente de mãos nuas, os segundos enfrentavam o exército inimigo. De qualquer modo uns e outros entre viver daquele modo e morrer preferiam morrer. Esta banalização da morte assusta; é como se a morte não fosse a última desgraça humana.

Camus queria significar que pode haver vidas que não valham a pena viver, mas no contexto da enorme excecionalidade que constituía a tal “confissão”.

No Paquistão os jiadistas invadem universidades e matam professores, estudantes, funcionários- os que ensinam e os que aprendem.

Esta nova espécie de glória da morte lembra o célebre discurso de Unamuno afastando-se do regime franquista, na Universidade de Salamanca, onde era reitor, interrompido pelo General fascista Millán-Astray, em 12/10/1936, aos gritos “VIVA LA MUERTE”. Unamuno prosseguiu declarando que o “Viva la Muerte” lhe equivalia a ouvir “Morte à vida”, sendo imediatamente destituído por Franco. As vidas são para serem vividas por mais glória que se busque nas mortes inglórias.

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