Esqueçam isto, disse MRS, o especialista em juanetes, tosquiador de lãs, especialista em ginginhas, vendedor de plumas, lesmas, de patos mudos e garnizés de circo, criador de factos e realidades virtuais.

Quando nos pedem para esquecer “isto” toda a gente vai responder antes de esquecer, mas o que é “isto”?

Isto é a questão.

Então o que é “isto”? Quem pediu para esquecer sabia que “isto” eram os direitos humanos espezinhados no Qatar pelo Emir e sua Coorte real.

A mais alta figura do Estado, um ilustre Professor de Direito Constitucional, entre o mundo do futebol e o universo do respeito pelos Direitos Humanos pediu-nos para esquecermos aquilo.

Entre as declarações totalmente descabidas de treinador de futebol e as de Presidente da República, Sua Excelência não teve dúvidas – esqueçam, eu vou lá.

Fazer o quê? Sua Excelência nada disse, talvez entenda que se ele lá estiver apareça muito mais tempo nos vários canais que nos deixaram todos eles a olhar no céu o avião com umas dezenas de jogadores, treinadores e dirigentes com vencimentos multibilionários, alguns tão patriotas que tudo fazem para não pagarem impostos apesar dos milhões que auferem.

A pátria, a ditosa e amada pátria, fica nas manigâncias para escapar a pagar o que é devido ao Estado para que os mais desfavorecidos possam ter acesso a cuidados de saúde e de educação, os grandes apoiantes daqueles que vão ao Catar competir em estádios que tresandam a a servidão.

Claro que queremos que Portugal ganhe, claro que vamos saltar de contentamento quando marcarem golos que “nos ” derem vitórias, mas por favor não nos enganem.

Não nos peçam que esqueçamos aquilo, porque aquilo são o mínimo dos direitos humanos, o mínimo dos mínimos, tão só. Então os direitos humanos não são para todos os humanos? São ou não são?

Paulo de Traso, o famoso São Paulo, há dois mil anos dizia que não havia judeus, nem gregos, nem romanos, mas humanos. Podemos esquecer aqueles que na servidão total, própria dos tempos medievais, foram obrigados a construir estádios para jogadores pagos a preço de oiro reluzente joguem? E treinadores pagos com vencimentos estrondosos especializados em fugir às leis da República ou do Estado?

Não há indianos, nem filipinos, nem iemenitas, só humanos, esmagados pelo poder de um Emirato medieval perante o qual os dirigentes da FIFA se vergaram.

Marcelo especialista em futebol, em ginginhas, em provas de vinhos e agente de enterro, em aplicador de cataplasmas, amolador de facas e tesouras, tosquiador de lã, especialista de juanetes e de azia do estômago, vendedor de plumas e castanhas e de perus e galinhas da guiné, tirou uma especialização que Siegmund Freud não foi capaz – esquecer o que não convém.

Não esqueçam isto.

Os misseis russos que afinal eram ucranianos e a vergonha de quem a não tem.

Sou de uma geração que sempre guardou pelos jornalistas a mais elevada consideração. Desde os anos sessenta que aprendi com muitos deles o valor da coragem. Davam-nos notícias, mesmo correndo riscos.

Ser jornalista é ser alguém que não obstante o seu caráter e a sua formação nos informa; se possível não embarcando na espuma do momento. Tem a obrigação nobre de informar. Não é um imitador de cacarejos ou bajulador de quem quer que seja. 

Ora o que se passou no dia 15 de novembro, a propósito dos restos de misseis caídos na Polónia, revela a demência que reina em grande parte do mundo informativo.

Caíram os misseis e o mundo ocidental comunicacional entrou numa espécie de histeria coletiva. De todos os cantos, de que são feitos os canais televisivos, a compita entre quem tinha mais dados sobre a malvadez da Rússia roçou a esquizofrenia.

Ou foram os russos ou foram os russos ou se não foram foram porque os seus sistemas de misseis são falíveis e caso, ainda assim, não tivessem sido foram porque obrigaram os ucranianos a ripostar e daí que etc e tal e tal.

Uma caterva de comentadores, sem deixar de referir um ou outro mais realista e competente, logo estabeleceu que Putin e a sua clique tinha de pagar um preço não só pelo que está a fazer na Ucrânia, mas, atenção, pelo que poderá vir a fazer no Báltico e arredores.

Por cá, o M.N. Estrangeiros português, qual garnizé, do alto de toda a sua força militar e projeção internacional, alertou para uma resposta a sério e deixou os Montes Urais a tremer.

Zelenskii foi dos primeiros a dizer que tinha avisado que chegaria a vez dos polacos serem atingidos.

O Presidente da Polónia informou que iria pedir uma reunião da OTAN ao abrigo do artigo 4º da Organização.

Hoje sabe-se e ontem já se sabia que aqueles restos de misseis não eram russos. Zelenskii sabia-o. E apesar disso alegou que tinha chegado a altura da OTAN entrar na guerra.

Zelenskii veria com bons olhos que na Ucrânia se batessem diretamente Rússia e OTAN. É este homem que está à frente da Ucrânia. A invasão brutal da Ucrânia às ordens de Putin não justifica que entremos numa nova guerra mundial. É preciso que de uma vez por todos o digam a Zelenskii, desde logo von der Leyen, Borreli e todos quantos lhe prometeram derrotar militarmente a Rússia.

Os media e os jornalistas têm um papel nobre neste conflito – informar com isenção. Se o fizerem o mundo estará mais próximo da paz. Se fizerem de gasolina fá-lo-á aproximar-se das chamas sem fim à vista.

A GUERRA NA UCRÂNIA E O QUE VAI MUDAR NO MUNDO

As guerras em geral operam mudanças significativas no panorama regional e mundial. A invasão do Iraque pelos EUA mudou a região e em parte o próprio mundo. No passado século, na década de 60/70, a guerra do Vietnam mudou toda a Indochina. Muitos outros exemplos poderiam ser dados, sendo de todos os mais significativos os da 1ª e 2ª guerras mundiais que mudaram totalmente o mundo.

A guerra na Ucrânia muito provavelmente mudará não só o papel da Europa, a relação entre os seus Estados e trará muito provavelmente uma nova arquitetura no mundo.

Na configuração do mundo tal como existe entraram em choque diferentes linhas de forças contraditórias que produziram o grande acontecimento que é esta guerra.

Na verdade, o império USA e a sua versão mais alargada anglo-saxónica, sendo dominante, está em declínio face ao crescente papel da China e de um conjunto de países que querem ter um novo papel na vida internacional e sentem que o podem ter.

A Rússia, pelo seu poderio militar desde que Putin tomou o poder, considera-se suficientemente forte para invadir a Ucrânia e aguentar os efeitos das brutais sanções económicas.

 Na Ucrânia trava-se uma guerra entre os EUA/OTAN/UE e a Rússia, sendo o povo ucraniano o mais sacrificado.

A Rússia, potência resultante da implosão da URSS, em decadência até à chegada ao poder de Putin, movida por um sentimento nacionalista e imperial, ousou confrontar a ordem ocidental e tentar assegurar para si o controlo da Eurásia que Zbigniew Brzezinsky , ex-conselheiro de Segurança dos EUA, considerava ser fundamental para o domínio dos EUA e melhor poder confrontar-se no futuro com a China.

A travagem do crescimento dos EUA, o forte crescimento da China e o aparecimento na arena internacional de um conjunto de potências como o caso da India, África do Sul, Brasil, Argentina, Irão, Paquistão, México, entre outros, criaram condições para que a Rússia se sentisse capaz de desafiar o poder dos EUA/OTAN.

Com a guerra, a Europa em termos de bloco acabou por ceder toda a liderança aos EUA. Ficou dependente de um aliado que encara o mundo como um local onde sempre pretendeu plantar regimes seguidistas. Exibiu a pequenez estratégica da UE. Ursula von der Leyen parece a Ministra dos Negócios Estrangeiros dos EUA.

Os EUA conseguiram para já ficar em boa medida com a Europa na mão em matéria energética, o que estrategicamente tem enorme relevância.

A travagem na economia alemã cria condições para minorar o papel do concorrente que há mais de uma década era mal visto em Washington, sendo até vigiado.

A França a perder competitividade segue o seu declínio com a humilhação de ver rasgado um contrato com a Austrália e substituída pelos EUA.

Em toda a Europa enquanto as grandes empresas conseguem obter lucros nunca vistos com a especulação, os povos estão confrontados com um empobrecimento generalizado.

As manifestações que têm tido lugar em diversos países podem atingir grandes proporções tendo em conta que o inverno ainda não chegou e as restrições aos consumos ainda não se começaram a sentir plenamente.

A Rússia é uma incógnita. Se aguentar o peso na economia das sanções e o esforço de guerra, e se mantiver as anexações, sairá da guerra com outro peso.

Para impedir esse objetivo os EUA prolongarão o seu apoio fornecendo novos carregamentos de armas. O ponto vai bater na relação entre o efeito boomerang das sanções na vida dos povos europeus e a capacidade da Rússia de resistir. Se a vida das populações se tornar insuportável os governos irão pagar um elevado preço. Entretanto um maior envolvimento da OTAN poderá levar o conflito para patamares assustadores.

Refira-se que esta guerra não tem suscitado as movimentações estrondosas de condenação como foi o caso da invasão do Iraque. Os povos no seu íntimo condenam a invasão, mas percebem que para além da invasão há outros elementos a ter em conta.

Por outro lado, os EUA e a UE já não impõem o seu dictat a países como a India, a Arábia Saudita. Paquistão, Brasil, Argentina e outros.

Outra ordem vem a caminho, como noutras vezes, nos braços da guerra.  Se a OTAN/UE/Ucrânia vencerem a Rússia perderá muito do seu poder e correrá riscos de desintegração. Se vencer, outra ordem reinará até aos próximos desafios que já se desenham na Ásia.

https://www.publico.pt/2022/11/08/opiniao/opiniao/guerra-ucrania-vai-mudar-mundo-2026861

PODEM OS EUA/OTAN/UE DERROTAR A RÚSSIA NA UCRÂNIA?

Give peace a chance

Os EUA e a OTAN definiram como objetivo estratégico em relação à guerra provocada pela invasão da Ucrânia a derrota militar russa.

Nesta conformidade a guerra irá prolongar-se por muito tempo, salvo se a situação militar vier a sofrer grandes alterações, ou se na Rússia ela se tornar insustentável para Putin ou para Zelenskii na Ucrânia ou para alguns países nucleares da OTAN devido à escassez de combustível ou de abastecimentos tendo em conta a inflação e a previsão de continuar a subir.

O empobrecimento dos trabalhadores e povos da UE é uma realidade indesmentível. Em Portugal, os trabalhadores vão perder algo similar a um mês de salário. Os pensionistas viverão pior. O número de pobres aumentou. Mais de dois milhões de portugueses vivem na pobreza. Os portugueses estão a empobrecer a olhos vistos. O que a União Europeia tem a propor é empobrecimento; simultaneamente sem um pingo de vergonha lucros colossais são anunciados diariamente pelas empresas de combustíveis e energia, bancos, de produtos alimentares. Já não há decoro. Por cada multibilionário criam-se quantos milhares de pobres? Quanto custa um ricalhaço destes?

O prolongamento de uma guerra (que nunca devia ter acontecido) com o seu cortejo horrendo de destruições e mortes tanto num país como noutro causará seguramente nos povos respetivos grandes comoções e eventuais revoltas.

 Na Europa as sanções duríssimas que atingem a Rússia implicaram um ricochete que está a ter efeitos medonhos na vida dos cidadãos e consequências políticas inesperadas. A própria guerra serve de justificação para aumentos nos bens essenciais sem qualquer justificação a não ser a ganância.

As destruições na Ucrânia são terríveis e as baixas militares insuportáveis caso prossigam. No lado russo as mortes são elevadas e as sanções podem vir a ter reflexos muito mais agudos em 2023/4.

A Europa dependia da Rússia em matéria de combustíveis. O obreiro desta parceria foi Angela Merkl; não era uma esquerdista, nem uma política irresponsável. Era uma europeísta defensora do papel da Alemanha na UE. Tinha gás barato da Rússia. Agora a Alemanha e a UE dependem quase exclusivamente do gás dos EUA que é bem mais caro.

A guerra acontece em solo europeu e as consequências dramáticas da sua duração são sentidas sobretudo pelos europeus.

A miserável demagogia acerca dos cereais para o Terceiro Mundo quer fazer uma esponja sobre o colonialismo, o neocolonialismo e as elites nativas quanto ao estado do mundo, como se antes da guerra aqueles países vivendo na ordem mundial dominante não fossem já países a viver na miséria e na fome.

Se a guerra se prolongar até a Rússia ser derrotada pode levar a que possamos voltar às longas guerras como as que já tiveram lugar há séculos neste continente (uma de trinta, outra de cem). Só que agora os meios de destruição são muitos mais eficazes.

Valerá sempre a pena face aos arautos da invencibilidade dos EUA/OTAN interrogarmo-nos pela humilhação que sofreram no Afeganistão.

Os EUA/OTAN estão em condições de derrotar a Rússia por intermédia da Ucrânia? Pelos vistos do chamado lado ocidental há quem considere que é possível. Talvez seja a razão pela qual os arautos desta hipótese sustentem que a guerra será muito longa, até que o poder na Rússia caia. E se não cair? Até quando pode a guerra, as sanções e o empobrecimento de um continente doravante incapaz de assegurar combustíveis e energia para funcionar?

De um modo talvez mais simples, a um país com a capacidade militar como a Rússia é possível derrotá-la no campo de batalha sem um apocalipse nuclear? Esta pergunta tem de ter uma resposta para confrontar os que defendem a derrota militar da Rússia. A não ser que se considere que a OTAN derrotará a Rússia em termos convencionais e que nesse caso os governantes russos aceitarão tal hipótese.

 A condução da guerra na Ucrânia não foi como os dirigentes russos imaginaram, mas daí à certeza de uma derrota vai uma diferença abissal.

Não se trata de querer ou não uma vitória de Putin. Trata-se de saber, face a estas circunstâncias e aquelas que no futuro se vislumbram, o que irá acontecer (e o que poderia ter acontecido no início da guerra e das conversações) a saber se teria sido melhor para a Ucrânia certas cedências ou empurrada pelos EUA/OTAN ser trucidada caso a demência continue a prevalecer em Moscovo, Washington, Berlim, Kiev, Paris, Londres, Bruxelas e outras capitais.

A hipótese de Putin cair é razoável? Até agora, apesar de várias movimentações de opositores à guerra, não está no horizonte tal hipótese.

Pensar em termos puramente militares que ele vai deixar-se derrotar tendo armas que impedem a derrota ou que levam à destruição mútua e neste caso todos perdem é um risco. Vale a pena corrê-lo? Responda responsavelmente quem tem essa obrigação.

 E se Putin cair, falta saber quem o irá substituir. É previsível que um dirigente de um país gigante, pleno de história, como a Rússia se deixe dominar por Washington? Nem o inenarrável Boris Yeltsin o conseguiu. Quem tem em mãos ou em mente o Ocidente?

Para já (como se a guerra fosse um videojogo) o que os dirigentes dos EUA/OTAN/UE têm para oferecer é apenas guerra em cima de guerra. A Rússia igualmente. Claro que foi a Rússia que invadiu a Ucrânia e que tal invasão só pode merecer a firme condenação. Mas o problema é derrotar a Rússia no caminho de outra guerra com a China ou negociar para acabar a guerra e impedir novas guerras.

As opções estão em cima da mesa. Pode e deve condenar-se o invasor e exigir que a guerra acabe com base numa política de segurança que envolva todos os países atingidos. O que não se pode é deixar que em nome dos povos e dos países deixemos a Europa caminhar para o abismo. Também cada cidadão tem a sua responsabilidade em impedir esse rumo. Estar ao lado dos povos russo e ucraniano pela paz é exigir que a guerra acabe o mais rapidamente possível e sem derrotados. Por cada dia de guerra que passe é um dia perdido.

Se não se exigir a paz a guerra vai continuar e por muito que a ladainha de castigar o agressor seja linda, os que a defendem esclareçam como se sai do atoleiro e se a própria Ucrânia vai ganhar com a sua destruição enquanto Washington enche os cofres de dólares com milhares de milhões de vendas de armamento e combustíveis, deixando a Europa na sua dependência.  

Os povos na Europa parecem confundidos, claro que condenam a invasão, mas o que se está a passar a nível de um confronto entre OTAN/Rússia deixa toda a gente receosa. A escalada pode atingir tal ponto que será sempre a Ucrânia quem mais sofrerá. A solidariedade ao povo ucraniano é mais que necessária.

Os seus dirigentes que seguem os comandos da OTAN e que guiam o país para o desastre total passarão no crivo da História como patriotas ou irresponsáveis?

São precisos homens e mulheres que se distingam dos demais irracionais que nos conduzem. Lúcidos, amantes da paz, capazes de aceitar que somos diferentes, mas iguais na nossa humanidade. Sim, precisamos. Onde estão? Saiam à rua a dar esperança a um continente que parece perdido e só vê armas sujas e limpas. Alguém que fale contra o belicismo. Alguém que nos deixe dormir em paz, sobretudos aos povos ucraniano e russo. Alguém que declare que podemos viver em segurança e quem não quiser será derrotado nas ruas e sem armas, apenas com o coração, a bondade e a fraterna esperança que herdamos ao cabo destes milénios de homo sapiens. Que sonho mais antigo há que não passe por viver em paz, não é John Lennon? Give  peace a chance.

E o povo, meu deus?

Segundos os media de hoje e após o rei Carlos III ter dado posse a Rishi Sunak como primeiro-ministro do Reino Unido os mercados acalmaram porque o multibilionário de origem indiano e banqueiro do Goldaman Sachs (por onde passaram inúmeros dirigentes mundiais, escola de ministros tal como era o BES em Portugal) é do seu agrado.

Sublinha-se que os mercados acalmaram, o que significa que o povo detentor da soberania que determina quem governa não conta.

Boris Johnson foi eleito com base num programa que mandou às urtigas e governou no meio de festas na Downing Street 10 enquanto os cidadãos estavam confinados em suas casas e pagavam caro a violação do confinamento. Downing Street era o glamoroso bar onde os ministros e seus ajudantes podiam ter as suas parties. O escândalo impôs a renúncia de Boris.

Veio toda lampeira e cheia de gás Liss Truss e durou pouco mais que uma alface mimosa. Foi-se. Os mercados irados encresparam e apoio popular não tinha. Foi-se.

Veio Rishi Sunak e o povo inglês não foi tido nem ouvido. Tudo se passou conforme a divindade detentora do poder – os mercados. Rishi é um dos deles com o seu alto e poderosos estatuto de 800 milhões de libras.

 Os liberais no século XIX lutaram para que todos os homens tivessem apenas um voto; agora os liberais protetores do mercado só aceitam a credibilidade se os eleitos forem da confiança do mercado. Parece que os social-democratas vão atrás deste novo pressuposto e enfim o mundo gira a toque de caixa do mercado.

Eis a nova verdade. As eleições são para escolher governos que agradem aos mercados. Que o diga o Syrisa na Grécia. As regras só valem se o povo tiver juízo e escolher os protegidos da divindade configurada no mercado mundial. Tudo o mais são pormenores até ao dia em que o voto seja na verdade a afirmação respeitada da vontade soberana do povo.

Por que não choram os mercados?

Os mercados passaram a ser entidades reverenciais que comandam a vida das nações e do mundo. A verdade é que nunca ninguém lhes viu a cara ou se lhes dirigiu com petições ou reclamações, nem neles alguma vez votou.

Fazem as suas operações de modo que a seguir a cada uma delas abocanhem milhares de milhões de dólares ou euros ou outra moeda sólida. É de sua natureza querer mais e mais e mais. Quando assim acontece por aí andam a meter o olho do alto do Olimpo deixando os humanos viver segundo os seus ditames.

Se por qualquer instinto de desconfiança sentem que podem deixar de encher todos os sacos do mundo manifestam a sua ira. É também uma das suas características, a ofensa ao terceiro pecado capital da lista apresentada pela Igreja Católica no século XIII.

 Deve, porém, acrescentar-se que tal como Zeus era o primeiro dos deuses da Grécia Antiga, a tendência da era pós-moderna é a nova divindade passar à frente das velhas divindades e daí muitas vezes os sacerdotes das antigas divindades, habituados a servir, se coloquem de joelhos face à nova. Não foi só o imperador Constantino que se converteu ao cristianismo. Mais houve e continua a haver.

Como estão por cima e acima de tudo têm quem por eles zele com máxima dedicação. Os novos zelotas glorificam esta nova divindade constituída una e diversificada e adoram-na dedicando-lhe todo o amor possível em troca do paraíso terreste.

Ao contrário do Reino de Cristo, de Jeová ou de Alá os seus altos sacerdotes não precisam de morrer para provar as delícias do paraíso, refastelam-se cá na Terra porque nunca sabem se após a morte fica alguma coisa para gozar. E sabem que é na sua dedicação sem limites que poderão desfrutar das delícias únicas dos servidores dos grandes Templos implantados nas Bolsas de Nova Iorque, Tóquio, a City ou FranKfort, sem esquecer Paris e Singapura.

A nova divindade é insaciável. A sua fé espalha-se por todo o mundo e engole deuses antigos, por vezes, servindo-se deles para sua prédica atingir em profundidade e largura o humano rebanho.  

Os Incas e os Maias tentavam aplacar a fúria dos deuses oferecendo-lhes sacrifícios humanos. Na Antiguidade grega, designadamente em Atenas os oráculos eram implacáveis e se necessário fosse para amenizar essa fúria divina eram sacrificadas crianças, adolescentes e virgens em cerimoniais de sangue inocente.

Por estas bandas ofereciam-se impuros queimados nas fogueiras para que Deus do seu alto assistisse imperturbável aos gritos lancinantes dos escolhidos pelos seus representantes na Terra.

Agora o mundo mudou: as novas divindades aprenderam com o passado, aceitam e impõem sacrifícios, mas sem espetáculos deprimentes e nauseabundos como o das fogueiras.

Agora castigam-se os simples cortando-se-lhes na subsistência de modo que se houver quem não subsista não se note porque nos hospitais as pessoas que não têm comida basta-lhes fazerem-se passar por doentes e uma refeição sempre hão de ter, se tiverem, certas vezes.

Um conhecido zelota a este respeito foi demolidor acerca da sua fé no novo Deus ao declarar que os pecadores confrontados com tanta pobreza haviam de aguentar os sacrifícios para salvar os deuses que fugiam da bancarrota a caminho da salvação terrena amparados pela celebérrima palavra – aguentam, aguentam.

São invisíveis as novas divindades, o que é da sua própria natureza. Têm muitos rostos. E estão espalhados onde já há os deuses antigos. Acomodam-se. A sua natureza só exige que os adore, mesmo que haja outros que sejam adorados por motivos meramente espirituais, o mundo destas divindades é a pura materialidade das moedas.

Eles vivem de outro tipo de devoção, querem cifrões e mais cifrões, tantos que os tiram a toda a Humanidade.

Em abono da verdade, pouco mais de umas tantas centenas destas divindades têm tanto como mais de metade de todas as mulheres e todos os homens da Terra.

Estão encastelados em locais fortificados e há quem diga que pensam ir par o espaço nos seus foguetões supersónicos, sempre estarão mais a salvo.

Eles dão ordens e logo os primeiros-ministros, os ministros das finanças e os governadores dos Bancos Centrais e até a luxuosa Madame Lagard transmitem o grave aviso de que os mercados estão furiosos e nada a fazer.

A City quando percebeu que Lisa Trusse não passava de uma figura sem rumo apresentou de imediato o cartão vermelho e a sua desgraça pode estar por semanas ou meses. Os mercados zelam pela ordem mercantil onde os humanos não passam de meros números.

Como é do conhecimento geral os mercados mandam nos governos. Deve ser por isso que as pessoas desistem de votar na medida em que os eleitos apenas prestam contas nos confessionários destas divindades e as promessas não são para cumprir.

O grande problema para os mercados é a capacidade de os humanos têm de reinventar permanentemente os seus deuses. Claro que entre o Aguentam, Aguentam e o não aguentam muita água corre por baixo das pontes.

Ultimamente os deuses viraram-se para outra grande divindade, Marte, o implacável deus da guerra que domina toda a Ucrânia.

Pode ser que os povos europeus furiosos, em vez de se matarem uns aos outros, proclamem o seu amor à paz e só aceitem divindades que sorriam, transmitam bondade e afeto entre todos os que por cá vão vivendo. Pode ser.

O “tranquilo” encerramento das maternidades

Surgiu a notícia do projeto de encerramento de seis ou oito maternidades e quem tiver memória não deixará de ter presente que bastava o encerramento de uma noite ou de um dia e os canais televisivos montavam repórteres para fazer diretos de manhã à noite. E os restantes media punham nas primeiras páginas com magno estardalhaço o malévolo facto.

 O país que se move de casa para o trabalho e regresso carregado de problemas a começar pelos próprios transportes não deve ter dado pela notícia.

Os que deram foi graças à prontidão da revolta dos autarcas dos concelhos onde estão as maternidades a encerrar. E repare-se que não foi o encerramento de um fim de semana ou de uma hora; será definitivo.

Pois, afastada Marta Temido, mesmo quando, como no caso dos distritos de Castelo Branco e Guarda as grávidas tenham de percorrer mais de cento e trinta quilómetros nalgumas situações, impera a triste notícia sem o ardor justiceiro e revoltado de então. Dá que pensar.

Costa e o crente Marcelo

Costa foi em socorro de Marcelo que sofre de prodigalidade e de entrar em transe em tudo o que envolve sotainas.

Ele disse o que disse e toda a gente percebeu o que ele disse menos António Costa que disse que ele não disse o que disse, sendo inaceitável a atribuição a Marcelo o significado que decorre das suas palavras.

Costa socorreu-se da hermenêutica para dizer que o que Marcelo disse deve ter uma outra interpretação que ele Costa sabe bem que não é a que salta do que Marcelo disse; coisas relativamente misteriosas.

O que também salta à vista desarmada é que Costa não segurou o guarda-chuva no Euro – 2016 por mero acaso e que a sua visão estratégica ao longo destes anos como chefe do governo, mesmo no período da geringonça, em relação a Marcelo é constante e até de pronto-socorro, como foi o caso presente.

Entre a pedalada sistemática de Costa e as guinadas de Marcelo, o Primeiro-Ministro do PS entrou forte e feio no eleitorado do PSD. No fundo indo em socorro de Marcelo ganhou simpatia onde Montenegro procura votos.  Coisas que ajudam a definir os dois homens. O sonho de Marcelo em relação a ver Montenegro onde agora está Costa levou uma pancadita.