O capitalismo na sua fase atual deu uma impressionante guinada no sentido de refundar um novo consenso social com a financeirização da economia e colocando a enorme massa dos assalariados e das classes médias num empobrecimento acelerado.
À falta de melhor qualificativo tem sido designada esta vaga de fundo como neoliberal exatamente em oposição ao liberalismo revolucionário da burguesia emergente do final do século XXVIII e de todo o século XIX.
As dificuldades de competição do sistema visível nos anos 70 do século passado levou as políticas de Margret Tatcher e Reagan ao abandono das políticas sociais do capitalismo para dar todo o poder aos bilionários, criando as condições para cavar um fosso brutal entre as elites financeiras e capitalistas e o resto da população.
Uma das suas características é a natureza impiedosa dos de cima para com todos os outros. Veja-se como o banqueiro do BPI se referiu aos trabalhadores que não puxam a carroça, como se fossem burros, para justificar os despedimentos selvagens da proposta da nova legislação laboral do governo.
Concomitantemente é preciso apagar a memória, esquecer nomeadamente a crise provocada pelo setor financeiro com a derrocada de bancos, a qual foi paga pelos cidadãos a quem os Estados se apropriaram dos rendimentos provenientes dos vencimentos e pensões. Passos Coelhas e Portas e Montenegro foram para além da troica exibindo a sua face de algozes sociais. A novas mudanças ao Código de Trabalho mostram com clareza a natureza impiedosa deste governo, impondo designadamente trabalhar duas horas sem retribuição.
A direita, o centro e a social-democracia deixaram cair as características do Estado Social para entregarem o poder aos grandes grupos económicos, designadamente aos dominantes do setor financeiro. O poder político passou para as mãos do poder económico, nuns casos diretamente, noutros por procuração. Veja-se o caso dos EUA, um governo de plutocratas.
Não existe, segundo Tatcher sociedade, apenas indivíduos. A sociedade é um amontoado de “eus”. O que não vence é porque não merece o reino dos que têm tudo. Quem não vencer nunca passará de uma espécie de um Zé Ninguém. Se nem a Raspadinha o salvou, resigne-se. Ninguém o irá ajudar. Desista. Acabou o tempo das solidariedades, agora é o dos empreendedores e dos gestores.
Cada um deve tornar-se num empreendedor de si próprio. Enriquecer o patrão para ser um bom colaborador e com sorte viver melhor e vir a ser patrão. Eis o novo Credo/Código neoliberal.
Na verdade, também está bem presente é a ideia da resignação, a acomodação, a perda de esperança na possibilidade de mudar a vida, daí o ataque aos sindicatos. O trabalhador deve ficar só face ao empregador.
As pessoas baixam a cabeça e agem como se estivessem anestesiadas, sem rumo, não acreditando que podem transformar a vida e escolher outro caminho. Já Éttiene de La Boétie escrevia sobre a servidão voluntária nos finais do século XVI.
O homo neoliberalis está sempre em competição, desde que se levanta até que deita. Não admite outra coisa que não seja o êxito. Vai em busca de quem possa fazê-lo vencer. Tem excelentes coaches que o adestram na arte de vencer. São os seus novos sacerdotes. No altar construído em cima da pobreza está o novo Deus, o Lucro.
Mas esta verdade também é feita de outras verdades. Tudo tem o seu tempo. Agora o tempo parece perdido, mas dentro dele vem outro tempo, seguramente.
Há 51 anos em Abril de 1974, no casulo do tempo, as coisas mudaram. Não tem de ser sempre por via de revoluções, mas quando o rio enche a tal ponto que as margens ficam estreitas, elas acontecem. Tudo vai depender da loucura dos plutocratas e do poder dos cidadãos. Os plutocratas são tão ínfimos que bastava uma leve tomada de consciência desse poder. Veremos.





