A vaga neoliberal instalou-se dentro dos regimes democráticos e sangra-os. Na UE foram criadas regras que se impõem a todos os Estados, sejam mais ou menos desenvolvidos. Os partidos que governam têm nas questões decisivas para o seu desenvolvimento económico uma pauta única e reduzida. Há pouco espaço para a diferença, a qual se faz sobretudo por via de ataques em torno da honorabilidade. Os media ampliam os casos. Casos e mais casos e dias de chafurdice. Assim se governa e se faz oposição.
A discussão sobre os grandes problemas do país, da UE e do mundo está a cargo de comentadores com 90% de opiniões idênticas ou muito parecidas. Há uma espécie de pensamento único. Os partidos governantes não serão iguais, mas alinham na busca dos mesmos fins, entendem-se e diferenciam-se sobretudo pelo barulho dos ataques entre si.
O mundo das brutais desigualdades instalou-se. De Washington a Moscovo, de Toronto a Pequim, de Lisboa a Helsínquia, de Pretória a Riade, de Singapura ao Rio de Janeiro.
Por cá Ventura fala de ciganos e corruptos e de mais benefícios para os que já têm muitos. Tem a complacência dos media, é o político com mais entrevistas nas têvês…mais que Montenegro e Pedro Nuno dos Santos juntos. Branco o é galinha o põe.
As outrora chamadas linhas vermelhas de tanto se desbotarem passaram a incolores em quase todos os associados de Bruxelas para evitar a invocada ingovernabilidade. Os democratas-cristãos, os conservadores, os socialistas, assumem acordos em nome da tal governabilidade com a maioria das extremas-direitas. Parece que chegou a hora do Chega. Por todo o lado se lê e se ouve o perigo de marginalizar o Chega. Os donos disto tudo não veem problema no Chega ser a alternativa, tal como em Itália com Meloni, toda repimpada entre Bruxelas e Washington.
Os povos sentem-se impotentes. Então, votam nos que pescam no descontentamento e apregoam como inimigos pobres desgraçados que nada decidem e são usados para entreterem os distraídos a atirarem pedras a esses concidadãos. Os votos no Chega não são só protesto e raiva, talvez sejam uma espécie de linha S.O.S. Quando tudo em redor está mal, pode ser atrativo experimentar o pior, tal como escreveu o filósofo inglês F.H.Bradley.
Como morreu a esperança, cada um(a) fica mais só. Nesse estado, é mais fácil vir ao de cima o lado mais negro da humana condição, o egoísmo, a vingança, a inveja, o oportunismo e o desespero. Os perdedores gostariam de copiar os ganhadores, os oligarcas, os famosos da boa vida. Os de baixo têm pedras e atiram o Chega como uma pedra para “partir isto tudo”, para ver se o pior faz mudar as coisas que vão mal. Em termos de psicologia de massas o sentimento pode ser irracional, mas a ideia punir o status quo “precisa” do voto em Ventura.
O PS português faz de conta que não vê o desaparecimento de outros pêsses noutros países exatamente por não fazerem diferente. Continua a insistir na defesa de políticas que criam este atoleiro democrático, seja nas políticas de desenvolvimento económico, seja na militarização da UE.
O PCP dirige-se a uma parte da sociedade que, no essencial, já não o ouve ou já não existe. Faz que vai à frente e está parado a olhar para o passado, replicando métodos, palavras de ordem e campanhas. Fica contente com ir perdendo votos e deputados a conta gotas. Ajá anunciada moção de rejeição do programa do governo não lembra ao diabo. Qualquer um pode adivinhar o próximo Comunicado do CC do PCP sobre os resultados das próximas eleições.
O BE acantonou-se no seu identitarismo e fechou-se tentando abrir com um verbalismo populista sem qualquer efeito prático. Fala para dentro e para os que estão próximos.
Nem um, nem outro, capitalizaram o descontentamento social. São vistos como os outros partidos. E, sendo muito injusto, é necessário um exercício de grande humildade para compreender e ajustar os estilos, as propostas e uma maior clareza estratégica quanto aos objetivos.
Como é possível que estes dois partidos ao cabo de todos estes anos estejam de costas voltadas, como competidores incapazes de forjar algo comum, bem sabendo que sem essa base não procedem e, que mesmo assim, precisam de outros para alianças que permitam a mudança? Que dizem a juntar forças nas autárquicas e nas presidenciais…nem agora avançam com o apoio a Sampaio da Nóvoa ou outro para candidato a PR? As esquerdas têm de aprender a ouvir, a ter em conta o que ouvem, em vez de falar de cima da burra.
E responsabilidades próprias? Por falar em atirar pedras…
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