As eleições autárquicas, as esquerdas e o exemplo francês

Público – Edição Lisboa

  • 9 Jul 2024
  • Domingos Lopes Advogado

Portugal tem 308 municípios dos quais 122 com menos de dez mil habitantes, 65 entre dez e vinte mil, 32 entre vinte e trinta mil e 33 entre trinta e cinquenta mil. 6.924.159 portugueses moram em 56,18% de todos os municípios, segundo dados da Wikipedia. Entre o 25 de Abril de 1974 e meados da década de 80, o PCP tinha uma política autárquica de grande amplitude política, para além da esquerda ou direita.

Exceção feita aos grandes municípios, onde os interesses financeiros e imobiliários se faziam sentir, a orientação era a de que a política autárquica passava pela defesa das populações na concretização do saneamento básico, infraestruturas de caráter social, desportivo e cultural. O poder local é uma das maiores obras de Abril.

O PCP deu cartas e chegou a dirigir 50 municípios, nomeadamente nas eleições de 1979. Não ganhou certas câmaras por uma unha negra ou diferenças mínimas — Cascais, Sintra, Peniche entre outras. Mais de 60% dos candidatos eram independentes.

Entretanto, o país foi-se “litoralizando” e tornando o interior um enorme espaço com crescente perda populacional. As políticas seguidas configuram um verdadeiro desastre nacional, deixando ao abandono mais de metade do território nacional. Sem o poder local o abandono seria maior.

Não deixa, entretanto, de ser válida a ideia de que na larga maioria das autarquias os confrontos políticos não têm a dimensão dos confrontos dos maiores municípios, onde se situam os grandes interesses económicos, financeiros, imobiliários que abrem o modelo de cidade a alternativas de direita ou de esquerda. Basta atentar no gravíssimo problema da habitação para se compreender que não se pode deixar apenas à iniciativa privada a sua resolução. Ou na política de privatizações de bens essenciais, como a água.

Em relação à capital, o PCP sempre tentou uma política de alianças, designadamente com o PS, o que nunca resultou, enquanto o PCP ficava à frente do PS. A coligação eleitoral do PCP chegou a obter 27,50% dos votos em 1985, em Lisboa; o PS, tendo recusado qualquer aliança, ficou pelos 17,98%.

Mais tarde, graças à aliança do PCP e do PS, foi possível eleger Jorge Sampaio como presidente da Câmara de Lisboa, com base num programa negociado entre os dois partidos e que muito contribuiu para fazer avançar a cidade, como é ainda hoje reconhecido.

O PCP era então um partido duro a negociar, sem medo das dificuldades de uma negociação. Trata-se de um verdadeiro erro político, consentâneo com a fraqueza política dos dirigentes do PCP, antes de qualquer negociação entre as esquerdas e o PS, recusá-la à partida com o argumento de que não se está disponível para entregar câmaras ao PS.

Era e é perfeitamente possível ao PCP ouvir propostas, levar as suas, analisar até que ponto o conjunto de acordos constituiria um património de compromissos mínimos, para ir para a frente ou para esclarecer em concreto os motivos de uma recusa.

A ideia de que as alianças do PCP com outras forças de esquerda ou de centro-esquerda são responsáveis pelas suas quebras está por confirmar, estando, sim, reconfirmada, em eleições sucessivas, que as perdas constantes e significativas do PCP não se devem a alianças políticas com outros partidos de esquerda e centro-esquerda, dado que estão ausentes.

A coragem política da direção comunista ou é reavivada, e entra na sua orientação política, ou a irrelevância será o seu futuro, incluindo no plano autárquico. Imaginemos que as esquerdas e o centro-esquerda não elegem o presidente do município de Lisboa, porque o PCP faltou à chamada e os seus votos eram suficientes… Ou, que elegem, e que os votos do PCP não foram sequer precisos!

Lisboa precisa de um presidente da câmara mais comprometido com as aspirações da população. O contributo do PCP pode ser importante, se a direção quiser parar o plano inclinado da irrelevância em que se afunda. Que o exemplo de França ilumine as mentes da direção comunista.

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