NAS ASAS DO SONHO, CARÍSSIMA CARMO AFONSO

Há um sonho que nos move. Vem do primeiro sentimento humano. Talvez no exato momento que um humano se aproximou de outro para o ajudar.

Foram tantos os humanos sonhos que não caberiam nas páginas deste jornal. Vivemos sonhando. Imaginemos o sonho de Espártaco de libertar os escravos que fez tremer Roma e séculos mais tarde abolir a escravatura. Há sempre um princípio. O sonho dos servos da gleba. O sonho de ter trabalho e um salário. O das mulheres sufragistas. O de ter um país livre. E o de viver numa sociedade onde os direitos individuais e os sociais/culturais/ambientais caminhem sem se enfrentarem, o que ainda não aconteceu.

Tenho plena consciência do falhanço de um modelo totalitário que acabou conspurcando o ideal socialista. Mas atenção, todo o caminhar humano é imperfeito. Até o da Igreja, onde estariam os mais “puros”.

O grande erro foi congeminar que bastaria a vontade para que as coisas se passassem como estavam na cabeça de uns tantos dirigentes. Se repararmos somos feitos de muitas imperfeições. Felizmente.

O empedernido sonhador não vai deixar de sonhar enquanto caminhar nesta Terra. A sua pequenez no Universo não o impede de voar pelo próprio Espaço. Lá está, é o sonho.

Vem tudo isto a propósito de um texto da Carmo Afonso que admiro e leio o que escreve com grande lucidez e sabedoria.

E então qual é o propósito do a propósito? Simples – os comunistas não são uma espécie de espécie em vias de extinção, mesmo que as sondagens se confirmem em relação ao PCP, o que não se espera.

É que os comunistas não fazem só falta pela oposição aos aspetos mais negativos do capitalismo. Percebo-o para os que se afeiçoaram ao que A.C. designa como social-democracia europeia. Mas não me fico nesse apeadeiro. O sonho é mais longo.

O projeto dos comunistas (ou outro nome que venham a ter) afirma-se sobretudo pela positiva e não cabe apenas num partido, nem sobretudo num partido que a si próprio se atribui a representação quase exclusiva desse ideal.

O ideal socialista de que os comunistas também são defensores deverá consubstanciar mais direitos individuais e coletivos que os existentes no capitalismo, cada vez mais afastado da social-democracia, plasmado num modelo neoliberal (único) já sem o sonho de um mundo de paz como recentemente vimos no corrupio de dirigentes social-democratas para apoiar o carniceiro de Israel. Que é feito do sonho/legado de Olof Palm?

A vaga neoliberal que é a expressão do capitalismo atual, onde jaz a social-democracia, tem como objetivo restringir e, nalguns casos, liquidar direitos e liberdades, sobretudo os que constituíram alavancas para melhorar as condições de vida materiais e espirituais, e, na sua essência, empobrecer os assalariados e fazer das classes médias classes assalariadas, reduzindo-as substancialmente, ficando uma minoria de um por cento com a riqueza de mais de cinquenta por cento de toda a população mundial, como acontece.

É preciso alterar esta realidade, ganhando para um projeto político a imensa maioria dos que vivem do seu trabalho e as empresas produtivas. Numa perspetiva hegemónica gramsciana, as cabeças deverão ficar direitinhas nos pescoços de quem as tem, pois, como já vimos, não deu certo e a repetição seria ainda mais trágica.

Impõe-se, quase como dever kantiano, um outro mundo onde se possa ser mais humano, onde cada um não é o lobo que se abate sobre o seu companheiro de espécie, onde a meritocracia altamente duvidosa nos põe em guerra de todos contra todos.

Apenas uma simples pergunta (in)comodativa (?!): era mais fácil admitir na Antiguidade que um dia se viveria sem escravatura ou hoje que os seres humanos poderão optar por um regime de verdadeira igualdade social, onde todos não serão semáforos porque diferentes, mas iguais? Sempre que um homem sonha…

https://www.publico.pt/2024/01/06/opiniao/opiniao/asas-sonho-carissima-carmo-afonso-2075904

2 pensamentos sobre “NAS ASAS DO SONHO, CARÍSSIMA CARMO AFONSO

  1. António Melo's avatar António Melo

    Sempre que um homem sonha… poetizou António Gedeão e cantou Manuel Freire é sinal de esperança e de humanidade. Creio porém que a crónica de Carmo Afonso apontava noutra direção, não a do fim do sonho, mas do esvaimento que surge com a desilusão do sonho. O Domingos Lopes reclama que o ideal comunista se mantém vivo no espírito humano. Partilho desse princípio, mas creio que a crónica de Carmo Afonso tinha uma intenção menos ambiciosa – a votação do PCP nas eleições legislativas de 10 de março. Incita ao voto no PCP, mas ao mesmo tempo diz que se sente bem na social-democracia europeia. Aí está a questão, algo está a falhar na equação: porque se terá tornado o PCP irrelevante aos olhos do eleitorado?

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