A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) foi um acontecimento com um significado profundo e de caráter universal. Esse facto não apaga que a Igreja católica, liderada pelo Papa Francisco, viva um momento delicado.
A falta de conhecimentos científicos das sociedades que nos precederam criaram as suas divindades como sendo portadoras e geradoras de mistérios que os humanos não atingiam e cujos poderes podiam socorrer os necessitados quando devidamente solicitados.
As diversas religiões funcionaram muitas vezes como travões ao despertar e à curiosidade humana. Lançando um olhar pela estrada do tempo para a Igreja Católica as mulheres não tinham alma, o Sol girava em torno da Terra, a Inquisição purificava pelos tormentos do fogo, a fé impunha-se a golpe de espada no Terceiro Mundo. Hoje a discriminação ainda se mantém em relação ao papel das mulheres e aos homossexuais, apesar de Francisco.
A fé religiosa é muitas vezes uma boia para enfrentar a irracionalidade do mundo; uma procura, mesmo que inconsciente, para dar sustento à razão de ser face ao descalabro do mundo – pobreza, fome, crise climática e guerra na Ucrânia.
A anestesia social, o fechamento aos outros, a exacerbação do individualismo, o sucesso ligado à famigerada meritocracia são pragas deste tempo.
Os poderes dominantes pretendem transformar o ser humano num ser anestesiado, que não suja as mãos no dizer de Francisco, ou até no inimigo de si próprio na desenfreada concorrência para ganhar as graças do Deus Mercado em torno do qual orbitam as sociedades contemporâneas.
Sendo a religião um ato individual ele contém em si um laço forte que o liga a toda a comunidade, desde os peixes como símbolo dos cristãos sob o jugo romano até à missa, à comunhão e à eucaristia.
No entanto, há dezenas de anos que há uma acentuada diminuição da prática religiosa. Por outro lado, essa prática vem assumindo características muito convencionais (batizado, casamento, funeral).
Francisco, conhecedor profundo do mundo, aponta novos caminhos aos crentes, em primeiro lugar, mas também a outras confissões religiosas e aos não crentes. Ao fazê-lo ganha força dentro da Igreja e fora dela e daí falar para todos, como ele diz, Fratelli Tutti, o seu último livro em que denuncia a economia que mata.
Ele é também o Chefe de Estado do Vaticano. Tem a coragem de se pronunciar pela abolição das armas nucleares de se empenhar na defesa da paz na Europa, na denuncia as políticas anti-imigração que faz do Mediterrâneo um cemitério de vítimas sem pão para viver.
Perguntou perante os governantes e Corpo Diplomático para onde vai esta Europa que foi capaz de juntar inimigos e agora se separa e se guerreia.
As suas palavras são marcas indeléveis do seu papel e do que ele pretende para a Igreja enquanto instituição e Estado.
Tem consciência que os tempos são difíceis para os católicos se a juventude não arriscar e despertar para as condições em que a imensíssima maioria da população vive.
Há também lastros que vêm do passado e difíceis de se conciliar com a modernidade.
O Parque do Perdão com centenas de confessionários acolheu jovens que foram pedir aos padres perdão pelos pecados cometidos. Como pode um pecador ser absolvido por outro pecador? Claramente neste perdão há dois lados, um homem ou uma mulher e sempre um homem que olha de cima para baixo e lhes concede perdão. E se pretender confessar-se anonimamente fá-lo ajoelhado. Porquê?
Há sete pecados mortais. Peguemos na gula, temos os médicos a pedir para se comer mais comida saudável, mas nas sociedades ocidentais a obesidade é marca dominante, são doentes ou pecadores ou ambos? Quem morrer gordo vai para o inferno? Vivemos um mundo em que o sistema bancário faz gala de nada perdoar, é a avareza no seu expoente máximo. Os banqueiros quase todos assumidamente praticantes vão para o inferno com as suas muitas condecorações? A ira não é uma marca do tempo? Quem pode ser hoje preguiçoso se quiser ter uma vida para viver, o que exige mais que um emprego. O mundo mudou muito e rapidamente.
Voltando às palavras de Francisco, eloquentes, cheias de frescura e de erudição. Ele sabe que há um mundo à espera dos que foram à JMJ e dos que a seguiram com atenção. Para quem tem fé e para quem a tem esperança em relação a esta vida. Essa é a estrada. O caminho é para os caminhantes. Vimos do caminho e só temos caminho. Caminhemos, então, cada qual com o seu mundo no meio do mundo. Fratelli Tutti.
De novo, um artigo muito interessante e bem escrito. Este papa estudou primeiro Química em Buenos Aires e, sendo o melhor da turma, ajudava os colegas de Curso dando-lhes explicações para que ninguém ficasse para trás. Tem portanto uma formação científica que muito ajuda a compreender o planeta em que vivemos. Seguiram-se outros estudos (Literatura, Teologia, Filosofia…) e tem uma vivência dos acontecimentos mundiais devido às posições de responsabilidade que tem ocupado sem mencionar a sua própria inteligência, sentido de compaixão e solidariedade, numa palavra, carisma! Regressou da terra da luz, lux-cis= luz e tan= terra, território, país, LusiTÂNia, agora Portugal… ao Vaticano, a Roma, para se reencontrar com o mundo tal como está e vai, a começar pela igreja de quem é o Sumo Pontífice. O mundo precisa de paz, de racionalidade e inteligibilidade, de pão e segurança para todos. Francisco pode ser uma voz actuante e importante no contexto actual.
GostarGostar