O prémio Nobel da Literatura de 1962, John Steinbeck, escreveu esta obra que se desenrola algures numa ilha ocupada militarmente. A dada altura, o narrador revela o pavor dos ocupantes” …começaram a detestar a terra conquistada…até que por fim o medo começou a crescer no coração dos conquistadores…medo de serem caçados por aquele ódio intenso…”
Não é difícil imaginar o ódio dos afegãos a todos quanto os quiseram dominar, os ingleses no século XIX, os soviéticos no XX e os americanos no XXI. O ódio gera medo, nos que odeiam e nos que são odiados; talvez a partir de certo ponto mais nos ocupantes, como bem dá conta Steinbeck.
As tropas afegãs, montadas, treinadas pelos ocupantes, acabaram por se sentirem no seu íntimo estrangeiras, a tal ponto que bastou Biden marcar a data da saída para desertarem e fugirem. O medo dominava-as.
O Presidente colocado pelos EUA arrancou logo que conseguiu encher o avião ou os aviões com o dinheiro made in USA.
E medo tinham as dezenas e dezenas de milhar de jovens, mulheres e homens que trabalharam para o Império e seus ajudantes. Em três ou quatro semanas o medo invisível escancarou-se.
O exército dos EUA, o maior e mais bem equipado do mundo, retirou num clima de caos.
O Afeganistão não é só um dos países mais pobres do mundo, é também o país de medos ao cabo de vinte anos de ocupação. E já o era nos tempos dos talibans e da ocupação soviética.
Mas esta última guerra do Afeganistão tem também um lado surreal e bizarro porquanto o objetivo anunciado, no seu início, foi acabar com o terrorismo. Derrotados os talibans, aberto o caminho para um oleoduto a passar por aquele país torneando o Irão, tudo levava a crer que os derrotados seriam escorraçados do país. Só que, passados vinte anos, os invasores (EUA e NATO) bateram com os calcanhares e entregaram o poder aos terroristas que tinham derrotado, deixando um país em disputa entre estes terroristas e os terroristas do Daesh-K., constituindo este abandono uma verdadeira confissão de que a invasão não serviu para nada.
Nesta guerra as tropas ocupantes viviam cercadas por arame farpado e minas, gerando no seu estado psicológico ódio ao país que os obrigava a viver nos antípodas das suas vidas no mundo ocidental.
Eis parte do balanço: 47.245 civis afegãos, 66.000 militares e polícias afegãos, 2448 soldados, mortos, e 28.189 feridos dos EUA, num total de 775.000 militares que naquele país combateram. A guerra custou 2.261.000.000.000 dólares. Mais de uma centena de milhar de mortos e várias centenas de milhar de feridos. Como se pôde ter chegado a este ponto para devolver o poder aos talibans?
Em simultâneo, a ocupação permitiu a expansão a números nunca antes vistos da plantação de papoilas e mais tarde o tráfico do ópio.
Ninguém responde por tão medonho fiasco? Os que prometeram reconstruir um país aqui e no Iraque ficarão incólumes?
A ocupação soviética para além de ter acelerado a implosão do regime soviético serviu para colocar no poder os talibans, quando antes da ocupação existia um regime que cooperava com a URSS em todos os domínios.
Portugal participou nesta guerra e recentemente (24/05/2021) João Cravinho considerou a participação de alcance histórico devido ao” …contributo nacional para a estabilidade e segurança de um país…”
A cartilha da estabilidade e da segurança do Afeganistão tem alguma coisa a ver com o que se está a passar diante dos nossos olhos? O que estiveram as tropas portuguesas a fazer? A treinarem quem não queria combater? Nunca deram conta desse facto? Foi por “isto” que os militares portugueses combateram? Pode o país confiar num aliado que decide exclusivamente em função dos seus interesses, incluindo o dia da retirada, sem consulta?
Tanta pergunta a que se foge virando o disco para a importância (real) de acolher refugiados resultantes desta loucura. Nem uma palavra sobre o porquê de tudo isto. Uma escuridão como a das noites sem lua.
https://www.publico.pt/2021/08/31/opiniao/opiniao/imensa-noite-lua-afeganistao-1975782