Os humanos são seres muito especiais. Vêm de muito longe, diz-se que do fundo dos tempos. Quem viu o magnífico filme de Stanley Kubrik “Odisseia no espaço” terá certamente registado o instante em que de um grupo de macacos se destaca e servindo-se de um osso de um outro animal “dá conta” que o pode usar com violência contra outro. Descobre o instrumento/ferramenta.
Não se sabe com precisão o momento que os macacos se ergueram e iniciaram a sua marcha a caminho de se humanizar.
Sabe-se, no entanto, que esta verdade trouxe grandes dissabores a Darwin e continua a trazer a outros defensores do evolucionismo, dado o poder dos negacionistas que só aceitam a fórmula do Génesis e do casal desgraçado (Adão e Eva) para toda a eternidade devido à sua ambição em querer abarcar o conhecimento, o qual estava reservado à divindade.
Do grupo às tribos, às comunidades, às cidades, às nações e países, foi um longo percurso a desbravar ignorâncias e a abarcar conhecimentos.
Os filósofos gregos, não renegando as múltiplas divindades, defenderam o homem como medida das coisas. Epicuro foi mais longe e lançou a primeira pedra do materialismo.
As mãos que matavam e faziam razias podiam ter outros gestos e acarinhavam. Veio a escravatura e logo se impôs Espartacus.
Na velha Galileia Cristo era Deus feito homem. São Paulo defendia que todos os homens eram irmãos, mas a própria Igreja se esqueceu dessa irmandade ao adotar as práticas do velho Império romano, incluindo a escravatura.
Portugal e Castela trouxeram a primeira globalização e com ela o colonialismo sustentado em Impérios.
E o mundo humano continuou na sua senda e a rodar e o que parecia eterno afinal não era.
Vieram séculos de ignomínia com as perseguições aos judeus e hereges, a mando da Inquisição.
O colonialismo foi-se. E ficaram Gandi e Mandela.
Hitler insistiu na estrela amarela na lapela dos judeus. E abriu fornos de cremação para quem não pertencia à raça ariana, incluindo ciganos e judeus.
Passaram há dias 75 anos da derrota do nazismo. A Europa e o mundo sofreu 50 milhões de mortos.
Parecia que havia um tempo gasto, morto. Mas a verdade é outra. Vozes enterradas fazem-se ouvir com o seu ódio, aproveitando o desencanto de um mundo com tanta desigualdade.
Quando a significância de André Ventura resulta de assumir posições que no passado levaram às maiores desgraças é assustador. A defesa do confinamento dos ciganos, da deportação de Joacine ou outros atoardas sobre o 25 de abril insere-se num roteiro de aproveitamento político de alguém que se quer apresentar contra o sistema, mas sempre viveu dele desde o futebol à política mais reles.
Representa em termos políticos o que de mais simbólico existe de desventura humana – a perseguição a outros seres humanos.
https://www.publico.pt/2020/05/11/opiniao/opiniao/desventura-andre-ventura-1916031