Das Bactérias Hospitalares aos Tribunais – Escadas de um Calvário

M.F., engenheiro, há uns anos, cerca de seis, foi a um estabelecimento hospitalar devido ao aparecimento de um estado febril.

Explicou ao médico que o atendeu que trabalhava em Moçambique como cooperante e achava que se tratava de gripe e não de malária, dado o médico ter naturalmente adiantado aquela hipótese.

O médico, contudo entendeu que M.F. devia fazer a despistagem da malária, tendo-lhe sido feita uma punção para retirar sangue do seu braço direito.

Após a colheita M.F. começou a sentir uma forte comichão no local da punção e à medida que as horas iam passando apareceu no braço uma mancha escura que se estendia em direção à mão.

Novamente no hospital foi internado no S.O. por ter sido infetado com uma bactéria hospitalar.

Nos três meses seguintes conheceu um verdadeiro calvário; correu risco de vida; foi sujeito a quatro intervenções cirúrgicas, sendo que duas delas voltou a ser infetado por um fungo.

M.F. esteve internado cerca de três meses e sofreu horrores: queimaram-lhe com nitrato de prata os tecidos podres, teve de ficar com o braço ligado a uma tala do ombro à mão.

Mais tarde foi sujeito a uma intervenção cirúrgica para coser o cotovelo ao abdómen para que houvesse transferência de tecidos e para que a pele do abdómen forrasse o cotovelo, ficando o cotovelo afundado e ligado ao abdómen e o braço dobrado de tal modo que tinha a mão direita sobre o ombro esquerdo.

Estes factos revelam o grau de devastação que a bactéria provocou num homem saudável, imaginando o que seria em alguém com o sistema imunológico debilitado.

Mais grave, como se vê no caso do hospital de Gaia, é o facto de as Administrações fugirem às responsabilidades que decorrem do mau uso das técnicas hospitalares para curar doentes, causando a morte desnecessária a milhares de cidadãos.

M.F. intentou uma ação contra aquele estabelecimento pedindo a sua condenação no pagamento de uma determinada quantia a título de danos não patrimoniais.

O resultado foi um espanto: o tribunal deu como provado que a punção deu origem à infeção pela bactéria, as lesões que teve; só que o infeliz M.F. não provou que no ato da punção houve violação da leges artis.

M.F. segundo este entendimento do tribunal, deveria provar que o técnico que lhe tirou sangue não tinha lavado as mãos ou não tinha tirado a seringa como mandam as boas práticas…

Inconformado recorreu para o tribunal da Relação e pelas mesmíssimas razões foi mantida a decisão.

Desalentado, decidiu, apesar de todos os custos, recorrer para o STJ que acolheu a sua tese: a punção que o infetou constitui uma grosseira violação da leges artis.

Mas o que não é menos importante para a cidadania o seguinte que se apurou em termos do andamento do julgamento:

– Há um risco de morte real derivado às infeções nosocominais, in Relatório de Vigilância Epidemiológico

– Naquele hospital a bactéria era responsável por 12.8% das infeções

– A mortalidade dos doentes com essa bactéria é superior à geral

– Não há formação adequada para médicos e enfermeiros

– Bastaria lavar as mãos antes de tocar nos doentes para diminuir os riscos da infeção – extraordinário!

Atente-se agora neste infortúnio: não basta os hospitais tratarem mal os doentes no que concerne às infeções, juntam-se também decisões dos tribunais que exigem aos cidadãos que façam provas diabólicas, impossíveis, como seja o de detetarem nos enfermeiros e médicos atos que violem a leges artis,  mesmo se estiverem inconscientes!!!…

O que se passa no hospital de Gaia, o que se conhece de outros casos e se comenta na comunidade, implica pôr termo a estas infeções hospitalares que atingem cerca de dez por cento dos que recorrem aos hospitais e que são em pleno século vinte e um evitáveis.

Que estes casos sirvam também para que a cidadania exija do Ministério da Saúde outra organização nos hospitais e mais cuidado e respeito por quem tem de se curar.

E finalmente que os tribunais estejam mais abertos a critérios que não façam recair sobre as vítimas o peso de descobrir o que foi feito em desconformidade com as boas práticas médicas, as quais são do conhecimento dos enfermeiros e médicos.

Sem uma clara responsabilização pelas regras de higiene com as inerentes consequências a todos os níveis, num quadro de horários de trabalho razoáveis, não é possível eliminar esta desgraça perfeitamente evitável como o demonstram os outros países europeus.

Que o novo Ministro tenha a coragem de tudo fazer para que quem entre nos hospitais não contraia infeções evitáveis. Basta exigir a todos os agentes da saúde que cumprem regras de higiene e que vigiem se as visitas as cumprem.

 

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