Trump, Musk e as gorduras

Elon Musk, o homem mais rico do mundo, segundo a revista Forbes, recebeu do desinteressado Trump o prémio pelo apoio misericordioso à sua eleição.

Foi agora indicado para promover o corte nas despesas da Administração Pública devido às suas gorduras. Entra no capoeiro o maior negociante de aviários do mundo para ficar com as galinhas só para ele. Desinteressadamente. Musk detesta gorduras, daí a sua conta ser tão magra que está à espera de mais cortes para colonizar Marte a bem da comunidade marciana que o aguarda impaciente.

O seu desinteresse pelo “patriótico” apoio a Trump foi tão grande que as ações da Tesla subiram 50%..

Pelo mundo fora milhões morrem à míngua, mas há quem morra de fartura…o corte nas gorduras pode ser fatal.

EUA, DEMOCRACIA OU PLUTOCRACIA?

As eleições presidenciais ganhas por Donald Trump merecem uma reflexão mais aprofundada do que a ridicularia do alarido a roçar o servilismo em torno da chamada maior democracia do mundo. Horas e dias de emissão, engalanadas com os epítetos descabidos, a propósito do ato eleitoral.

É necessário encontrar as explicações para fazer luz sobre o grau de degenerescência a que chegou o sistema político dos EUA, no sentido de que os candidatos presidenciais revelavam sinais altamente comprometedores da sua idoneidade: Biden, um zombie, perdido entre os seus homens e suas mulheres sem as faculdades mentais exigidas para o cargo, ficando mais claro que existe um piloto automático no governo do país; Trump, um fanfarrão multibilionário que encara a democracia como um negócio imobiliário para dar big money aos donos do money e que, ao que tudo indica, tornou o Partido Republicano num Partido de trumpistas.

Biden, movendo-se numa redoma para esconder a sua incapacidade mental, teve de largar o encargo por total ineptidão. Descobriram uma candidata que era um espelho da Presidência de Biden, sem rasgo e que passou o tempo a responder às provocações de Trump, onde ele é imbatível.

O sistema dos EUA parece ter chegado a um ponto de esgotamento – já só é capaz de reproduzir personagens como Trump/Biden/Kamala. Será que não dá mais? Kamala representava a continuidade de uma política de afastamento da realidade vivida pelas populações. A economia estava bem, mas as pessoas não sentiam, antes pelo contrário, viviam pior.

 Trump é figura de um multimilionário ignorante, boçal, apreciado numa parte da América, a do Big Money. E que soube cativar uma considerável parte dos EUA que nele se aceitam rever, mesmo que a contragosto nalguns setores. Trump foi direto ao assunto, dar melhor vida aos norte-americanos, independentemente da demagogia.

Sem os milhares de milhões dos donativos aos candidatos não haveria a tal “democracia” a encher os ecrãs de todo o mundo à custa de publicidade paga. Voltamos à velha Atenas, ao governo dos plutocratas. Basta atentar que no dia a seguir às eleições Elon Musk aumentou a sua fortuna em 26 500milhões de dólares e os dez mais ricos em 64 000 milhões de acordo como Le Huffpost .

Os EUA são, neste momento, na essência do sistema, uma plutocracia, um governo dos multibilionários que governam para os super-ricos. Aliás, só chega a Presidente quem for imensamente rico e apoiado pelos muito ricos.

De acordo com um estudo publicado neste jornal Os EUA em números | Infografia | PÚBLICO, vale a pena ter presente que há 36 800 milhões de pobres, 1 808 100 presos(o maior número no mundo), não há serviço nacional de saúde, 1% da população detém 26% da riqueza total, na Defesa gastam mais que os 9 países que se lhe seguem por ordem decrescente. Têm em percentagem menos alunos até ao 12ºano que Portugal. A dívida pública dos EUA é de 34,62 triliões de dólares. É o país mais endividado do mundo.

Os EUA são um país em crise, a qual é escondida através do facto do dólar ser uma moeda de reserva e de pagamento no mundo. No dia em que o deixar de ser entram em bancarrota.

Trump representa para uma parte considerável dos EUA a possibilidade de sair da degradação em que se encontra em termos económicos e sociais. A Administração Biden/Harris foi tão má que os norte-americanos deitaram para trás das costas os quatros anos desastrosos de Trump.  Preferiram eleger um homem com um cadastro tenebroso, que orientou uma sublevação contra vitória de Biden, que se vangloria de ordenar a deportação de milhões de imigrantes e de defender a utilização das FFAA contra o que ele chama de inimigo interno. Sejamos claros: os norte-americanos conheciam Trump e deram-lhe a vitória com uma percentagem maior que há 8 anos.

Trump aparece como escape para a perda de poder de atração do país. Pretende ressuscitar o que está morto e enterrado. Os EUA estão em crise em quase todos os domínios. Que produzem hoje os EUA? Que indústrias lidera? A sua indústria perdeu competitividade. Resta-lhe a Wall Street, o mundo da economia de casino, os multibilionários que são cada vez mais ricos e os trabalhadores e a classe média cada vez mais afundados. Vamos ver se a UE continua a sua submissão aos EUA com um político desta estirpe.

O mundo vai enfrentar um homem a quem os norte-americanos deram um poder invulgar: maioria no voto popular e no Senado. Junte-se-lhe a maioria no Supremo Tribunal Federal, o que dá arrepios. Mas atenção, antes dele, outros, como ele, um pouco por todo o mundo, chegaram ao poder e apesar do sofrimento causado acabaram por ser derrotados. Há sofrimentos que se não desejavam, é verdade, mas há sempre uma parte da Humanidade lúcida. Todos os dias o sol nasce, mesmo com Trump.

https://www.publico.pt/2024/11/13/opiniao/opiniao/eua-democracia-plutocracia-2111626

A minha cadeira e os crepúsculos

Esta cadeira acompanha-me desde Coimbra,1968. Foi raptada no Moçambique, café, cujo dono, o Sr. Fontes, afirmava com a devida autoridade que atribuíra o nome de Moçambique ao café por ser a capital de Angola.

Desde o Bairro Sousa Pinto, na mui nobre e leal República Ninho dos Matulões à Estrada de Benfica nunca mais nos largámos. Tratou-se de um caso sério de amor. Agora acompanha-me em Capelins.

Tem um assento ideal para contemplar a planície e os crepúsculos. Ali fica ela e eu. Só que, entretanto, reparei que não era só eu a olhar e admirar o que via.

António Damásio confirmou nos seus interessantíssimos livros que os animais têm emoções.

Ora eu confirmei que a minha cadeira não sendo um animal, aferra-se aos crepúsculos e já não passa sem eles.

Já não sou só eu que sentado nela vejo o sol ir-se. Ela também. Fica inquieta quando chega a hora e eu não a puxo do lado do forno para a abertura do alpendre. Inquieta, pois. Saltita e encosta-se levemente quando por ela passo.

Pensava eu que os meus crepúsculos, sentado na cadeira eram apenas meus, mas não; são também dela.

 Devo dizer que viveu sempre comigo nos quartos que me calharam enquanto estudante. Depois como os quartos não eram só meus, sei que a magoei, colocando-a numa parte da casa em que diariamente não tínhamos de falar.

Depois veio Capelins e tudo mudou. Hoje foi ela que se arrastou para fora do alpendre para ver o que ela acha a que tem direito – o crepúsculo.

Pinto da Costa e o “Azul até ao fim”

Desde que me conheço fui sempre portista. Seguramente por influência de meu pai, portista dos quatro costados. Felizmente, o FCP tem-me dado mais alegrias do que tristezas, mas faz-me sofrer até que assegure a vitória.

Conheci PC nos anos oitenta, quando alguns portistas de Lisboa com ele se encontravam no hotel Altis, onde se hospedava a equipa de futebol do FCP.

Surpreendeu-me pela inteligência, cultura e ironia. Era desconcertante. Confesso que muitos anos mais tarde não gostei nada do corte que o acompanhava. O homem isolara-se dentro dos “indefetíveis” fiéis que o rodeavam na expectativa de serem premiados pela fidelidade ao líder. É assim a natureza humana, se não for contrariada.

Uma coisa é certa: PC deu ao Porto o que ninguém conseguirá dar e só esse facto merece a gratidão de todos os portistas. O resto resolve-se democraticamente. Além disso, o reconhecimento desta realidade não significa toda a realidade. Há sempre na realidade várias realidades. Vamos ao livro.

“Azul até ao fim” é o último livro de Jorge Nuno Pinto da Costa. Lê-se bem. Mérito do autor. Trata-se de um livro de Memórias que se inicia no dia 8 de setembro de 2021 com a comunicação a Pinto da Costa que padece de cancro na próstata.

Ao longo de Diário, o autor vai colocando o leitor nos eixos que moveram a obra publicada: o FCPorto que é o seu destino como lhe prognosticou sua mãe em 1982; a sua religiosidade, designadamente a adoração pela Virgem Maria; a família, incluindo a sua jovem esposa Cláudia Campo; os amigos.

PC conta vários episódios em que sobressai a traços fortes a ideia permanente de se sentir feliz, mesmo no meio da doença ou do cansaço extremo, pelo facto da sua liderança levar a felicidade a dezenas e dezenas de milhares de portistas. Por outro lado, repete que sentia o grande carinho e simpatia que os adeptos que por ele nutriam. São muitos os apontamentos a dar nota deste binómio….” Senti que estou no vosso coração. Quero que saibam que os tenho no meu…”

PC sentiu necessidade de afirmar categoricamente que não se recandidataria e de assim trazer à luz do dia a sua ideia de abandonar a Presidência, nomeadamente em março de 2023. Não explica, em momento algum, a razão que o levou a recandidatar-se, passando por cima dessa decisão..

Na memória do Natal de 2022 abre um pouco o véu da sua nova decisão, invocando um eventual desígnio divino “Deus pensa que a minha missão neste mundo ainda não terminou…Talvez Ele ainda precise de mim para a luta difícil de ajudar os sem-abrigo a encontrar um lugar divino para viver!”

E não dá qualquer justificação para uma derrota tão esmagadora no quadro de uma narrativa em que entre PC e os associados portistas era só carinho e amizade, salvo a casa do Porto de Espinho de alguns funcionários do clube que qualifica de traidores…

PC sugere que a sua derrota resultou de uma certa aliança de Villas-Boas com inimigos do Porto que poderão colocar em causa o sucesso desportivo do clube. É, aliás, a esta luz que analisa a Assembleia-Geral em que para ele os únicos culpados foram os apoiantes de VB e do próprio VB por ter ido à A-G falar acompanhado por um agente da PSP, sportinguista, um tal Dr. Agulhas, o que turvou o espírito dos associado. ”Isto foi considerado uma provocação, até porque o agente da PSP empurrou violentamente um associado que invetivou André Villas-Boas”  Regista, entretanto, que VB foi para Lisboa, não participou na A-G. ”Estava lançado o rastilho” segundo PC.

PC encarnou de tal modo a ideia de que era o único capaz de prosseguir a defesa do sucesso do FCP, que não consegue encaixar e processar a pesadíssima derrota sofrida nas eleições.

A necessidade de se socorrer da forma como era recebido no Dragão, nas casas do Porto, mostram um homem desiludido que inverte o rumo dos factos para se sentir reconfortado.

A religiosidade de PC está presente de princípio ao fim, de tal modo que chega a considerar que o FCP tem a proteção da Virgem Maria e fala de D. António Francisco, ex-Bispo do Porto e do Cardeal Américo Aguiar, Bispo de Setúbal, como testemunhos dos seus predicados religiosos.

A família é outro pilar do livro. A invocação do amor aos progenitores com mais incidência no da mãe, aos irmãos, aos filhos, aos netos, ao novo amor Cláudia Campo, depois de tantos falhanços afetivos preenchem um largo número de páginas.

São interessantes as páginas que dá a conhecer o modo como PC conheceu numa agência do Santander, Cláudia Campo, funcionária do banco, e como desenvolveu a simpatia até ao anunciado amor que os levou ao casamento

PC elogia os verdadeiros amigos e a amizade pura. Só que ao seu amigo incondicional Sérgio Conceição aplica farpas das mais violentas deste “Azul até ao fim”, responsabilizando-o pelo seu mau feitio, pelas declarações ingratas no fim do jogo Inter-Porto, pelas desastrosas contratações de José Luís, Nakajima e ainda pela imposição de SC da cláusula de contratação de 5 milhões que o levou Francisco Conceição para o Ajax…Mimos de quem tanto prega amizade e carinho.

A visão que ele tem dele próprio e do amor que lhe têm justifica a lista dos que não quer no seu funeral porque “os que o amam vão sentir-se infelizes” com essa presença. Não é por ele, é pelos que o amam…

Vale a pena meditar o que faz homens e mulheres inteligentes, uma vez no poder, sentirem-se os únicos capazes de defender os interesses da instituição que representam. Mais grave – perdem o pé e reconstroem uma outra realidade.

PC foi indiscutivelmente um dirigente desportivo acima de todos os outros com quem conviveu. Homem culto, inteligente e ladino como pôde transformar-se num homem totalmente fora do sentir dos portistas? O que lhe diziam os que o rodeavam? O que ele queria ouvir?

O livro demonstra claramente que PC é um homem preso na sua solidão, incapaz de compreender que os portistas lhe estão gratos ao que fez pelo clube, mas acham que é preciso outro rumo e, por isso, escolheram democraticamente Villas-Boas. A amargura de Pinto da Costa é mesmo amarga, daí estas Memórias…

Banho de alegria e de simpatia

A grande questão: pode viver-se sem música? Quando os nossos antepassados imitavam os pássaros, o vento, o mar, procuravam algo para além do que lhes dava o quotidiano. Quando zunia na alma a força do trovão e a beleza do crepúsculo e o suspiro do rouxinol ficou escrito que se não podia viver sem música.

 O homo sapiens inventou um complemento para a eternidade. Os gregos talvez tenham sido os primeiros a elevar a música para patamares a roçar o divino.

Tudo muda quando ouvimos música. A alma voa dentro de nós. Dizem que não há quem a apanhe. Tanto no ritmo, quanto na doçura. Tanto no amor, quanto na resistência.

Ein Klein nacht music de Chopin. Quem não ri ou chora por dentro de si? E as cantatas de Bach, quem não gostaria de se transcender para as compreender a cantata,  Ich ruf dir Herr Jesu, que  compôs Bach e nós ouvimo-la como se a vida já fosse um Céu…e é para quem bem ouvir.

A Gulbenkian, entre tantas e tantas virtudes, organiza concertos com músicas do mundo, sempre de elevadíssima qualidade.

No sábado, foi a vez de chegar ao palco uma mulher cuja voz  oi raptada aos deuses da música e desceu à “ Mother Nature” ( como ela canta) para a espalhar pelos humanos. Afinal a voz iguala o fogo no confronto com os deuses.

O calor contagiante, a intensidade do ritmo e da voz, o poder da percussão e da bateria, a magia do baixo elétrico e os teclados a ziguezaguearem atrás da voz e do ritmo fazendo-nos ficar de bem com a vida. O milagre de Angélique Kidjo.

Veio para cantar e a cantar disse-nos que só se é livre se todos formos livres e que todos somos humanos, se bem que nem sempre pareça, acrescento eu.

A poderosa alegria que da garganta de Angélique ressoa é a voz de África e a nossa vontade de sermos livres verdadeiramente. Ouvindo “Sahara” a nossa mente viaja ondulante com as caravanas e bebe a água dos oásis, como num sonho.

Angélique Kidjo cantou com Lura “Carnaval de São Vicente”. E dançamos porque todos se puseram a dançar. E dançámos contra estes tempos de tristeza. Angélique trouxe-nos um banho de alegria.  Bem-haja. A alegria faz sempre falta, mas há alturas que faz mais falta. Ela explicou na letra de Joy.    

Os oligarcas russos muito maus e os ocidentais muito bonzinhos.

No Ocidente inventou-se um “regime” designado – democracia liberal – como sendo a mãe de todas as virtudes, justificativas de todas as guerras e desculpabilizante de todas as maldades por permitir o seu contraditório. As democracias liberais ocidentais vieram para civilizar o mundo, mesmo quando as “obrigam” a impor a sua bondade a ferro e fogo, até o nuclear, como em Hiroshima e Nagasaki. A contragosto…

Segundo os arautos das democracias liberais, uma das características dos regimes autocráticos, designadamente do russo, é ser capturado por oligarcas que vivem em paraísos de luxos sufocantes. Assim se justifica a confiscação dos bens e empregá-los na compra de armamento ao complexo industrial militar ocidental (dominado por outros oligarcas) para financiar a guerra dos bons contra os maus.

Os bons oligarcas ocidentais são “uns mãos largas”. Há um tal Elon Musk que já “deu” 75 milhões de dólares a outro “mãos largas”, um tal Donald Trump que defende a pena de morte para imigrantes que matem cidadãos dos EUA. Harris não fez comentários a esta medida proposta por Donald, não fosse perder votos.

Musk não se fica pelos 75 milhões. Nos últimos 15 dias da campanha entregará um cheque de um milhão de dólares cada dia, a quem se registar para votar em Trump e assinar uma petição para defender a 1ª e a 2ª Emenda Constitucional, que consagra a liberdade e a compra de armas. Tudo bate certo.

Esta liberalidade de Elon Musk é fantástica e mostra as virtudes da democracia made in USA.

Não é só do lado de Trump. Quando o perdido Joe Biden “debatia” com Trump e desligou, os Democratas correram em direção a Kamala Harris e os santos oligarcas chegaram de imediato com 100 milhões de dólares que nunca mais pararam de chegar à sede.

A democracia dos EUA está bem e recomenda-se. A sua saúde assenta em muitas centenas de milhões de dólares para pagar os anúncios democráticos e que são pagas a peso por oligarcas.

A democracia liberal norte-americana começou a campanha com o Joe dorminhoco, segundo Trump; e com o homem dos processos com prostitutas e Cª, segundo Biden e instável, segundo Harris. Nos EUA é o que há. Já não dá para mais. Que linda democracia. Liberal. Oligarcas só na Rússia, ficam a saber.

PONTOS NOS II

Não se sabe ao certo para onde corre o mundo, embora pareça que vá mudar de direção a médio prazo. Talvez ninguém saiba exatamente. Nem o adivinho cego, o velho Tirésias, inventado por Sófocles, muito antes da SIC ter criado o hierofante dos domingos.

Há quem mova mundos e fundos para ocultar a essência das coisas tal como elas são. Uma das técnicas é reduzir a complexidade da realidade e reduzi-la quase infantilmente aos bons e aos maus. Os bons são os nossos. Os outros, os maus.

O que se está a passar no Médio-Oriente é paradigmático. O mundo ocidental abraçou a causa de Israel que designa como sendo a nossa. Esta narrativa esconde a realidade das coisas e tem como fim último impedir que a liberdade de um povo ocupado se liberte da opressão.

A Resolução 1514 da ONU reconhece a todos os povos o direito à independência e condena as ações repressivas contra a liberdade dos povos subjugados e ocupados.

O direito internacional reconhece aos palestinianos o direito à autodeterminação nos territórios ocupados por Israel, designadamente a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e Jerusalém Leste, de acordo com a Resolução 242 da ONU.

O conflito opõe a luta do povo palestiniano contra o ocupante israelita. Há décadas que sucessivos governos israelitas oprimem e reprimem violentamente os direitos nacionais palestinianos. O rosário das violências é longuíssimo– confiscos, expropriações, muros impeditivos de circulação dentro da Cisjordânia, explosões das casas, prisões sem culpa formada, tortura, assassinatos e dezenas de milhares de mortos palestinianos. Esta é a realidade dos factos.

Em Gaza desde sete de outubro de 2023, os bombardeamentos contra a população indefesa superam as noventa mil toneladas de bombas, três vezes o poder destrutivo das bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki (cada uma tinha 15 KT de TNT). Até esta data, os palestinianos mortos são mais de quarenta e um mil, sendo dois terços idosos, mulheres e crianças. Gaza foi arrasada, inclusive hospitais, escolas e campos de tendas onde viviam dezenas de milhares de palestinianos.  

Acrescente-se a esta barbaridade a brutal ideia de que todas estas mortes são uma vitória de Netanyahu. Uma espécie de justificação da carnificina (sim carnificina) pois para certos dirigentes israelitas, como Yoav Gallant, os palestinianos são animais.

Os alvos de Netanyahu são as populações em Gaza, na Cisjordânia e a população libanesa no Líbano. A sua filosofia é aterrorizar as populações para as separar dos combatentes palestinianos ou resistentes à ocupação. Outrora, os donos dos escravos faziam o mesmo a quem se revoltasse contra a escravatura, matavam até se cansarem.

Como se a morte de mais um milhar e meio de israelitas justificasse esta mortandade de palestinianos e libaneses. A inocência dos civis israelitas mortos não pode justificar semelhante mortandade de inocentes palestinianos e libaneses. A desproporção é aterradora. Um país verdadeiramente democrático não age desta maneira. Para reprimir mil e quinhentos mortos não se pode matar a sangue-frio quarenta e um mil palestinianos e arrasar Gaza.

Na Ucrânia, o Ocidente pode continuar a enviar as long as it takes montanhas e montanhas de armas para lutar contra a invasão russa … Na Palestina considera os ataques ao ocupante israelita como sendo terroristas para justificar o envio a cada dia que passa de toneladas de armamento destrutivo para Netanyahu prosseguir o as suas façanhas de guerra contra as populações e assassinando os líderes palestinianos ou do Hezbollah disponíveis para fazer acordos. O nome desta política é o mais cruel terrorismo – o terrorismo de Estado.

O que verdadeiramente está em causa na Palestina não é o Irão, nem o Líbano, nem o Iémen. É a ocupação israelita dos territórios palestinianos. É ainda a ocupação dos Montes Golan da Síria e os permanentes bombardeamentos de Israel aos seus vizinhos.

Até que Israel ponha termo à ocupação dos territórios palestinianos e reconheça a autodeterminação do povo palestiniano não haverá paz.

O mundo vai em sentido contrário ao de Israel e seus apoiantes ocidentais. Nem a Indonésia resistiu aos timorenses. De um lado a opressão nacional, do outro a resistência à ocupação. Quem escreveu o abecedário não foi por acaso que pôs acento nos ii.

https://www.publico.pt/2024/10/15/opiniao/opiniao/pontos-is-2107915

A DITADURA DEMOCRÁTICA E AS DEMOCRACIAS LIBERAIS

 Para fazer de conta que governam, os governos e os partidos oposicionistas criam um clima de permanente tensão, uma espécie de todos contra todos para esconder que, seja quem for que governe, mantém, no essencial, o status quo, o anunciado fim da História.

Quem acredita que Biden governa? É um faz de conta e não tem só a ver com a idade.

A arte para alcançar tal desiderato foi gradualmente transferir o poder político, para o poder económico. Para tanto foi necessário operar importantes transformações quer na superestrutura, quer na infraestrutura.

No chamado Ocidente, o capitalismo da produção de mercadorias foi dando lugar a um capitalismo em que as finanças dominam. Nos EUA e na Europa, a vaga neoliberal mudou muito o fundo da economia. Procedeu-se à substituição das grandes fábricas pelas indústrias do entretenimento (turismo, tecnologias, futebol, desporto em geral, saúde) e também no investimento no complexo militar-industrial

Paralelamente com a implosão da URSS, o capitalismo sentiu-se livre de constrangimentos políticos e desencadeou uma nova política de ataques aos direitos conquistados desde a década de 50 do século XX. Foi assumido pelos diversos poderes que não se podia viver como se tinha vivido. Era preciso “castigar” os que acreditavam que os filhos poderiam viver melhor que os progenitores.

Na U.E. começou o desmantelamento do Estado social com o avanço do federalismo e a implantação da moeda única. A financeirização tomou conta do coração das instituições da U.E. O que a fazia diferente não resistiu e tornou-a uma organização orientada pelo neoliberalismo mais duro que puro.

No plano da superestrutura venceram as ideias de que só é pobre quem quer. A pobreza é da exclusiva responsabilidade dos pobres.  A sociedade é uma invenção, o que existe são indivíduos que têm de competir entre si. Ganha o melhor. Chamam a isto meritocracia.

A derrota do comunismo soviético, a mudança de campo da social-democracia (a ponto da Internacional Socialista se encontrar em estado de hibernação) deixou o mundo sem referências que o nortearam durante quase um século.

Este quadro das chamadas democracias liberais orientadas por um único Deus – o Santo Mercado – permite que dentro dele se esbocem e se travem disputas onde ninguém está de acordo com ninguém, salvo no que já referimos como sendo o quadro global dominado pelo capital financeiro, considerado intocável, dado que é o suporte do mercado. O novo Príncipe, alcunharia Maquiavel.

A propósito de medidas que os governantes tomam, em geral, estabelece-se uma verdadeira guerra que não leva a lado nenhum, salvo à erosão do partido no poder que acabará por ser substituído por outro mais ou menos parecido que enfrentará a mesma procissão de oposições e de novo à reentrada no governo do derrotado anteriormente. Todos os anos, seja com o PS, seja com o PSD, o SNS se revela incapaz de servir, devido à aposta na privatização dos serviços de saúde, altamente rentáveis. Só a maior desfaçatez pode justificar que uma grávida percorra mais de cem quilómetros e, às vezes muito mais, para dar à luz.

Há quem chame a estas virtudes liberais o arco da governação, isto é, o campo que vai dos socialistas às várias direitas mais ao centro ou mais à direita da direita um pouco por toda a Europa, já sem linhas vermelhas quanto à extrema-direita, mas vermelhíssimas contra a esquerda quando ganha eleições, como em França.

Naturalmente que para parecer que existe uma verdadeira escolha capaz de na verdade fazer a diferença, o sistema ancorou na velha ideia de Thomas Hobbes de todos se posicionarem contra todos, substituindo o Príncipe ditador pela omnipresente ditadura democrática liberal dos mercados que nunca foi a votos.

A diferença do ensaio “Leviatan” de Hobbes, para a atualidade, reside no facto dos povos poderem votar nos partidos que aceitem que estas regras são intocáveis – sai um e entra outro ao velho estilo do rotativismo liberal do início do século passado, ficando sempre tudo na mesma.

 Os que não aceitam estas regras são excomungados ideologicamente. Se, um dia, quiserem vencer têm de ser capazes de forjar alternativas baseadas em amplas alianças para num primeiro momento estancar a hemorragia neoliberal e depois avançar para transformações com base na unidade democrática, cultural, ecológica e popular. Só a verdadeira diferença pode ressuscitar a esperança e a democracia participativa. Até lá vira o disco, toca o mesmo e cresça a extrema-direita.

https://www.publico.pt/2024/09/11/opiniao/opiniao/ditadura-democratica-democracias-liberais-2103712