A Barraca tem em cena a peça Mariana Pineda de Garcia Lorca, encenada por Maria de Céu Guerra.
Trata-se de um espetáculo muito bem conseguido representado por atores de grande versatilidade.
Dentro da encenação Céu Guerra utilizou de modo soberbo a guitarra e a voz do músico de nome Paco que conhece bem o lado trágico do flamengo andaluz.
Desde cedo se perceciona algo de dramático face ao que Mariana não vai dizendo, mas se vai intuindo.
Na verdade, logo aos primeiros minutos, o espectador perscruta nas palavras e nos gestos de Mariana que algo de terrível vai suceder.
Ficamos a saber que as ruas de Córdoba e de Granada estão desertas porque naquelas cidades há um medo avassalador, comandado por um tal Pedrosa, juiz do absolutismo.
Mariana adere aos liberais tendo-se apaixonado por Pedro, um dos chefes liberais, condenado à morte, que com ela urdiu um plano para fugir a essa à condenação à morte.
É tão forte o amor de Mariana por Pedro que ela pede a um jovem loucamente apaixonado por ela que vá levar a Pedro o passaporte para fugir. E o seu apaixonado, por amor a Mariana, salva Pedro.
A partir desse momento a pressão que se abate sobre o espectador é brutal, como se o oxigénio que se respira fosse denso e custasse a entrar nos pulmões.
Mariana borda a bandeira da liberdade para a entregar a Pedro no dia da revolta popular que não sucede porque os conjurados são presos e mortos.
Pedro foge para Inglaterra. Todos aconselham Mariana a deixar cair a causa.
Ela resiste, apesar do tenebroso Pedrosa lhe declarar amor e pretender resgatá-la dos ideais liberais. Mas ela resiste.
Céu Guerra, apoiada nos dotes da atriz Rita Lello, dando mais luz ao texto de Lorca, leva ao limite a contradição entre o morrer por amor que se confunde com a causa da liberdade (o amor de Mariana por Pedro confunde-se com o próprio amor pela liberdade) e o viver por amor aos filhos, à família e aos amigos.
A simplificação dos cenários confere ao texto as múltiplas vibrações da palavra seja no plano lírico, apelativo/argumentativo, lúdico (as estórias para adormecer os dois filhos de Mariana).
Lorca configura uma Mariana inquebrantável por um amor e pelo amor à liberdade. Ela não irá trair os companheiros.
Mariana, mulher, vai enfrentar um mundo de homens. Pedro vai para Inglaterra. Foge. Ela acreditava que ele a viria salvar, tal como prometera. Tal conduta não mata o amor de Mariana à causa da liberdade. Fica em aberto se ela acredita ou deixa de acreditar no amor de Pedro, mas o amor à causa da liberdade vai com ela para a forca, mesmo sabendo que se renunciasse não seria enforcada.
E aí de novo o choque entre todas as coisas “pequenas” da vida e a de Mariana que se agiganta sacrificando, no altar da liberdade, a vida para que a Humanidade seja melhor.
Mariana preferiu morrer deixando dois filhos menores e uma casa de uma senhora de elevado estatuto, a ter de se vergar ao rei absolutista. Enforcada tornou-se imortal. Num mundo entalado entre futebóis, telenovelas e famosos esta viagem ao interior do mais nobre do ser humano, o da sua generosidade sem limites, vale como um grito extraordinário no coração da cidade de Lisboa, no 150º aniversário da Abolição da Pena de Morte.
Rita Lello é brilhante no seu desempenho. Com o andar das representações e do “choque” com o público a sua representação ainda vai tornar-se mais vibrante, emotiva e de certo modo, mais serena, apesar de saber que vai enfrentar os algozes que a conduzirão à morte. Não é que não seja já; a experiência no desempenho do papel de Mariana vai trazer maior refinamento.
Ao sair, frente ao largo de tantas árvores, uma brisa vinda do rio ajuda-nos a respirar e a compreender que o teatro nos ajuda a ser melhores. Nem todas as mulheres e nem todos os homens teriam aquela força, mas só de o sabermos que houve, há e haverá faz de nós seres melhores. De tal modo que a pena de morte foi abolida em dezenas e dezenas de países, sendo hoje a vergonha de alguns.
A PESSIMISTA
No primeiro andar continua em cena a Pessimista, um monólogo de uma jovem atriz que nos faz pensar na mesquinhez humana que através do pessimismo estudado ajuda a fazer da vida uma vidinha bem cuidada.
Teresa Sampayo não deixa o espectador distrair-se a não ser com o humor e com a seriedade, porque tudo flui como se estivéssemos a dialogar com alguém que fala com ela própria. Muito interessante.
Teresa Sampayo, apesar de juventude tem um arsenal de capacidade que lhe permitem sentir-se como peixe na água e através das dezenas de representações sentir-se ainda mais segura no diálogo com o público a partir do seu monólogo consigo mesma. Teresa Sampayo pode estar otimista. Temos atriz. E a Humanidade menos pessimista, pois o texto é um libelo acusatório para os que se servem de todos os oportunismos para tratar da vidinha. O texto é do encenador da peça, Helder Costa.