ALFAIATE DAS ESQUERDAS, PRECISA-SE!

A ideia central do neoliberalismo de empobrecer a população para depois a “enriquecer” tem muito de ideais que estiveram presentes ao longo dos séculos. A mais extraordinária a este respeito é a das religiões que pregam a felicidade depois da morte, inatingível neste vale de lágrimas.

Se a conjugarmos esta centralidade com a meritocracia temos a síntese perfeita: os que querem, vencem, como diz Montenegro, a propósito de Cristiano Ronaldo, como se uma andorinha fizesse a primavera. São milhões os pobres e só meia dúzia passam no crivo. Esta é a justificação simples para meter na cabeça das pessoas. Se não vences é porque não queres. E todos os dias o martelo martela.

Assim se justificam os ataques aos direitos alcançados porque é preciso que a sociedade se mexa e que dê aos multibilionários mais biliões para distribuírem as migalhas que tombam da pirâmide. Desde logo fatiando as sociedades até ao indivíduo isolado, bem sabendo que esta é a melhor maneira de prosseguir o empobrecimento da maioria e o enriquecimento de uma ínfima minoria.

Esta máquina de empobrecer está em marcha anunciando paradoxalmente que esta é a maneira de enriquecer. E depois dos falhanços do socialismo soviético, da social-democracia e das próprias democracias cristãs, neste chão de desesperança e de competição brutal germina esta ideologia requentada, servida com nova roupagem. Agora os amortecedores sociais estão a mais, e anunciam a transformação dos indivíduos em empreendedores, e os que não vencem só se podem queixar de si próprios.

Neste contexto as várias esquerdas enfrentam desafios hercúleos e a partir do enfraquecimento do chão onde o movimento sindical, operário, democrático e cultural devastado pelos ataques constantes dos governos (pacote laboral, entre tantos) e pelo frenesim do extremo individualismo e egoísmo.

Muita da velha solidariedade foi arredada. Cada um olha para si. Os outros estão distantes e parece que nada se ganha com rebeldia. Há uma nova formatação. O importante é vencer, mesmo que não se vença.

Ora, neste mundo tão inóspito de solidariedade e de esperança as primeiras correntes políticas a serem atacadas são as esquerdas nas suas identidades na medida em que o seu núcleo histórico e atual está, em todas elas, na luta e na solidariedade.

Se cada corrente crescer à custa das outras o que sucede é o enfraquecimento global de toda a esquerda porque as organizações existentes preenchem espaços de certa forma impreenchíveis pelas outras. Parece ter acabado o tempo de quem chegar primeiro ganhar o estatuto de ser representante de si e dos outros. E não é tempo de os novos pretenderem substituir os que já cá estão há mais de cem anos. Nos Descobrimentos erguiam-se os padrões e os povos ficavam debaixo da jurisdição da Metrópole colonial.

Assisti ao debate entre Catarina Martins e António Filipe. Consegui descobrir diferenças na questão da invasão da Ucrânia, mas sem serem inultrapassáveis. Jorge Pinto do Livre apresenta mais diferenças em relação a CM e AF, mas passíveis de serem dirimidas. Por que não se reúnem? Estão à espera de quê? Se as três forças tivessem apenas uma candidatura a negociação com os socialistas seria muito diferente. Já não há tempo, mas a vida política não morre em 18 de janeiro de 2026.

Fazer política não é a arte de exaltar as diferenças; me parece ser a arte de encontrar caminhos comuns por muito limitados que sejam. A unidade para vencer batalhas. As diversas esquerdas representam aspirações da maioria da sociedade. Se as esquerdas se aliarem, a ínfima minoria dos mandantes neoliberais ficará ainda mais à vista.

A importância da unidade sindical na greve geral foi decisiva. O trabalho que costurou o impossível, pode ser o caminho para um alfaiate das esquerdas costurar um novo fato. O sectarismo é uma doença que revela senilidade face aos desafios. O tempo que vivemos precisa de uma renovação à esquerda e fazer com que a força agora mais limitada das esquerdas se amplie com propósitos e ações de unidade. Só assim voltarão à importância de que precisam para os combates por uma alternativa ao governo das direitas, por uma vida digna para todos e por um mundo de paz.

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