Os media, os basbaques e o jogo das emoções

O mundo está mergulhado num enorme vazio. Os outros, os nossos companheiros desta curta caminhada na Terra, é como se não existissem. Mas como somos seres tremendamente sociáveis, somo levados em certas situações a tirar os olhos dos nossos queridos telemóveis.

A nossa pertença à comunidade está a transformar-se num imenso espetáculo universal em que a dor ou a alegria de alguém, quase sempre pertencente à lista restrita dos chamados famosos, se transformam em doses gigantescas de transmissão de tudo e de nada referente ao evento em questão.

A falta de sentimento de pertença à comunidade seja ela profissional, vicinal, religiosa e até ideológica como resultado de um mundo cada vez mais egoísta, hedonista a rondar o narcisismo faz com que cada aja de acordo com as vagas mediáticas que transformam certos acontecimentos em espetáculos de densas cargas emotivas.

Se algum(a) famoso(a) com acentuado pedigree casa ou dá uma festa de arromba os canais televisivos disputam entre si os exclusivos e transmitem-nos ad nauseam e naturalmente que uma sociedade perdida de sentido e mergulhada num desânimo quase total aceita com toda a naturalidade o basbaquismo a que se configurou.

Os media, pertença de bilionários, bem assessorados pescam nos mares das emoções superficiais e servem a cada minuto diretos dos festejos ou das desgraças.

Estas incontinências sentimentais entram diretamente na área descoberta da sensibilidade humana e corporizam a tal pertença que se foi perdendo num mundo alucinado de guerras e de desigualdades sociais brutais.

Estes espetáculos mediáticos só têm o pleno efeito quando dizem respeito aos que vivem no cimo, no cume, na vida boa. E para que a dose tenha plena eficácia a juventude nos casos de júbilo ou desgraça é também um elemento de glamour ou de dor.

A morte de Diogo Jota e de seu irmão ao volante de um potente Lomborghini Huracan, abanou o quotidiano porque não é suposto que um ídolo como o Diogo morra ao volante aos vinte oito anos.

Ninguém pode esperar algo como aquelas mortes. Então a nossa condição de humanos nivela-nos a todos. Podemos morrer. Todos os dias morrem jovens e outros em situações dramáticas. Só que não pertenciam ao firmamento da Terra. Morrem e ninguém fala deles. Compreende-se, dado que admiramos os que se distinguem nas suas vidas. Tudo certo.

 Diogo Jota era um futebolista do Liverpool, da seleção nacional. Jogava bem. Ganhava rios de dinheiro. O que ele fez na vida foi jogar futebol a um elevado nível e recebia porventura num ano o que a maioria dos portugueses não recebem a vida inteira. O mal não estava do lado do Diogo, mas sim de uma vida desumana de grande percentagem dos seus compatriotas.

Durante estes dias de manhã à noite os media serviram tudo quanto puderam sobre Diogo Jota, desde o acidente ao casamento, filhos e progenitores.

O Presidente da República, o Primeiro-Ministro e individualidades de toda a espécie foram ao funeral e botaram declarações. Pedro Proença para se diferenciar atribuiu ao malogrado Diogo a condição de “aicone”.

Este é um traço bem carregado do atual estado das nossas comunidades e da forma como os tais valores dominantes entram pelas nossas casas e batem à janela das nossas consciências.

Um jogador de futebol morre numa autoestrada em Espanha a fazer uma ultrapassagem e desde esse instante até ao funeral os media não mais largaram a desgraça, sentando frente às televisões ou telemóveis milhões a acompanhar o ídolo distante, contrastando com a insignificância da morte para o resto da Humanidade.

No mesmo dia faleceu o General Garcia dos Santos, um homem que arriscou a vida no 25 de Abril de 1974 e que foi um dirigente impoluto, íntegro e que defendeu com toda a sua força os interesses democráticos. Quase não se soube.

O vazio civilizacional que atravessamos precisa de espetáculos para nos anestesiar e de seguir em frente e acordar com as alegrias e os infortúnios dos outros. Parece que nos basta a vida boa ou a morte dos famosos porque a nossa e a dos outros não vale a pena. A arte é fazer de todos nós basbaques que seguem os da vida boa.

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