VIVAM AS FEIRAS E QUEM AS APOIOAR

Hoje, num desses hipermercados de referência, descobri finalmente o motivo da minha antipatia por estes “estabelecimentos”. Neste domingo carnavalesco havia magotes de gente cheias de carros de compras até à cabeça. Caminhavam do mesmo modo que rolavam os carros, em silêncio, por entre prateleiras de o que se precisa e de o que não se precisa.

Alguns consumidores levavam os filhos dentro dos carros e um vigilante chamava a atenção ao transgressor pela conduta inaceitável. Tudo isto se passava em voz de plástico para não fazer perder a atenção nas fantásticas promoções de vinhos de terras que não os produziam.

Para sossego dos contribuintes não havia vozes, apenas olhares um pouco incrédulos ou cheios de frustração. Um ou outro exultante.

Giravam as multidões raspando, alguns contribuintes, nas mesas à disposição cartões à espera da sorte que não chegava e silenciosamente esperavam pelo jogo do clube ou da telenovela ou da série. Tudo conforme o pastor dos negócios e das almas semimortas

Ninguém falava a alguém.  No final das compras, uma voz perguntava pelo cartão e pelo NIF, caso necessitasse. 

Num extremo da cidade e no outro ponto da cidade fronteiriça localizam- se as Feiras do Relógio e a da Brandoa.

Ali os humanos falam, gritam, regateiam, dizem brejeirices, param e falam com os vendedores e entre si, como faziam seus pais, avós e bisavós. Sabem que à astúcia do vendedor é preciso dar a volta para a apanhar. Há de tudo, menos o silêncio das almas anestesiadas.

Um cigano vende goiabeiras e outras árvores de fruto. Uma cigana cuecas elegantes para senhoras bonitas, diz ela. Um paquistanês exuberante molhos de agriões. Um indiano mangas e anonas. E grelos frescos que não há na sua terra. Um fulano com a pronúncia das Beiras vende nozes e figos secos.

Até há quem venda pássaros apanhados em armadilhas.

Uma vendedeira ensina quando se plantam os aipos e os morangueiros. Um atrevido pergunta-lhe se pode plantar os tomates atrás dos do marido que os planta primeiro que os seus. Ela manda-o plantar ao pé dos do padre Inácio.

Há bifanas com molho a escorrer e sandes de couratos e copos de vinho e de cerveja.

Há um homem muito magro que ganha algumas moedas a dizer onde se pode estacionar o carro

Há do outro lado da estrada dezenas de aves de capoeira e faisões da senhora que vende galos a africanos como quem vende botões.

O homem que vende ovos diz a um eventual comprador – ontem o jantar foi fracote e cheguei à frigideira, está a ver esta caixa de seis, estrelei-os e não comi mais porque lhe queria lhe queria vender outra.

O silêncio de uma grande superfície é o de do indivíduo solitário sem pertença. É um consumidor com um número fiscal. O movimento da Feira é a prova provada de que somos seres humanos. Vivemos juntos e podemos falar uns com os outros.

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