O que se passou na sexta-feira dia 28 de fevereiro, na Sala Oval da Casa Branca, entre Trump/Vance e Zelenski é algo inimaginável à luz de critérios de previsibilidade de encontros entre Chefes de Estado ou Chefes de Governos.
A razão é simples: antes dos Encontros/Cimeiras há um conjunto de altos funcionários de ambos os lados que preparam esses Encontros e quando o trabalho preparatório está concluído, reúnem-se então os Chefes de Estado e assinam os Acordos ou Comunicados ou Declarações Conjuntas.
Se durante os trabalhos preparatórios não há possibilidade de entendimento, não se anunciam as Cimeiras. Ao anunciá-las significa que os trabalhos preparatórios aplanaram os problemas, ultrapassando-os.
Ora, o que sucedeu na Sala Oval é de tal modo bizarro que obriga a procurar razões para além daquelas que parecem ser à primeira vista ou uma humilhação de Zelensky ou um desafio diplomático de Zelensky ao “Imperador” de Washington.
A situação militar no terreno é muito desfavorável a Zelensky. Trump terá informações que a guerra está perdida e ele não quer aparecer como perdedor da guerra, antes como obreiro da paz, mas sem deixar de garantir um bom negócio para os EUA e seus oligarcas. Já conseguiram pôr a UE dependente da energia dos EUA e separar a Rússia do resto da Europa, o que não é pouco em termos estratégicos.
Seguramente que a ida de Zelenski a Washington foi tratada discutindo todos os pontos do chamado Acordo. Se não havia hipótese de Zelenski assinar, não fazia sentido realizar a viagem. Em nenhum momento a parte ucraniana referiu que não o assinava e daí a viagem a Washington.
Nas conversações de uma hora e trinta minutos é perfeitamente adequado pensar que as duas partes não concordaram e tratava-se de saber o que cada uma iria dizer aos media. Foi a cena com os jornalistas mero improviso para cada um sair por cima a partir do fiasco verificado nas conversações?
Quer Trump, quer Zelenski, saem muito mal no que aconteceu, revelando no mínimo um primarismo político inconcebível, sendo certo que era Zelenski quem mais precisava do apoio dos EUA, a não ser que o PR ucraniano tenha desistido do apoio norte-americano e tenha jogado um jogo perigoso, por falta de cartas, como disse Trump com a sua falta de tato diplomático devido à arrogância congénita.
Imaginando um outro cenário em que Trump e Zelenski poderiam alinhar como bons atores: o Presidente ucraniano iria e regressaria, sem Acordo e com o show em direto a que assistimos, como resistente.
Trump responsabilizaria Zelenski por não conseguir a paz no período anunciado e o Presidente ucraniano sairia da Sala Oval com a auréola de herói libertador reforçado, ganhando os dois a melhor interpretação no guião, podendo o Óscar ser partilhado.
Neste cenário a guerra continuará e a UE a comprar armas a Trump para prosseguir a guerra que tem em vista enfraquecer a Rússia e a devastação social da UE. Um bingo numa outra perspetiva.
Se, na verdade, o que vimos resulta de um improviso diplomático deste calibre então a coisa fia mais fino e não há justificação para um espetáculo absolutamente indecoroso entre o instigador/apoiante da guerra – os EUA- e o Presidente Zelenski que no seu afã de grande estadista acreditou que as relações entre Estados se baseiam em “performances” comunicacionais.
Como é possível que o Presidente da maior potência mundial, com tropas em todo o lado, se preste a uma discussão, sem desprimor para a saudosa e antiga lota do peixe da “minha” Póvoa de Varzim, daquele teor, ou similar a dois adeptos clubistas a discutir os penaltis “roubados”.
Esta ida de Zelenski a Washington traz água no bico ou então a estatura do homem não passa a de comediante que à falta da capacidade de congregar esforços para continuar a guerra do seu país vai a casa do patrocinador dizer-lhe o que ele tem de fazer, julgando que sai em grande, como se vê pela reação dos dirigentes da União Europeia que acreditam que a sua vontade é capaz de alterar o rumo da guerra.
A continuação da guerra não é a melhor notícia, embora, Zelenski tenha chegado a Washington frágil, e de lá saiu ainda mais. A Ucrânia estará prestes a sucumbir. Ninguém acredita que Macron e Starmer tenham poder para reverter a situação, tanto mais que estão disponíveis a enviar 30 000 soldados desde que os EUA se comprometam com a sua segurança, como fizeram constar quando foram pedir proteção a Trump durante a semana, o que não conseguiram.
Resta aguardar. Com estes personagens quase nada surpreende. Neste cenário fica muito difícil perceber o fito de Zelenski. O de Trump é o de buldózer, mas atenção é ele que tem as cartas.