Pinto da Costa e o “Azul até ao fim”

Desde que me conheço fui sempre portista. Seguramente por influência de meu pai, portista dos quatro costados. Felizmente, o FCP tem-me dado mais alegrias do que tristezas, mas faz-me sofrer até que assegure a vitória.

Conheci PC nos anos oitenta, quando alguns portistas de Lisboa com ele se encontravam no hotel Altis, onde se hospedava a equipa de futebol do FCP.

Surpreendeu-me pela inteligência, cultura e ironia. Era desconcertante. Confesso que muitos anos mais tarde não gostei nada do corte que o acompanhava. O homem isolara-se dentro dos “indefetíveis” fiéis que o rodeavam na expectativa de serem premiados pela fidelidade ao líder. É assim a natureza humana, se não for contrariada.

Uma coisa é certa: PC deu ao Porto o que ninguém conseguirá dar e só esse facto merece a gratidão de todos os portistas. O resto resolve-se democraticamente. Além disso, o reconhecimento desta realidade não significa toda a realidade. Há sempre na realidade várias realidades. Vamos ao livro.

“Azul até ao fim” é o último livro de Jorge Nuno Pinto da Costa. Lê-se bem. Mérito do autor. Trata-se de um livro de Memórias que se inicia no dia 8 de setembro de 2021 com a comunicação a Pinto da Costa que padece de cancro na próstata.

Ao longo de Diário, o autor vai colocando o leitor nos eixos que moveram a obra publicada: o FCPorto que é o seu destino como lhe prognosticou sua mãe em 1982; a sua religiosidade, designadamente a adoração pela Virgem Maria; a família, incluindo a sua jovem esposa Cláudia Campo; os amigos.

PC conta vários episódios em que sobressai a traços fortes a ideia permanente de se sentir feliz, mesmo no meio da doença ou do cansaço extremo, pelo facto da sua liderança levar a felicidade a dezenas e dezenas de milhares de portistas. Por outro lado, repete que sentia o grande carinho e simpatia que os adeptos que por ele nutriam. São muitos os apontamentos a dar nota deste binómio….” Senti que estou no vosso coração. Quero que saibam que os tenho no meu…”

PC sentiu necessidade de afirmar categoricamente que não se recandidataria e de assim trazer à luz do dia a sua ideia de abandonar a Presidência, nomeadamente em março de 2023. Não explica, em momento algum, a razão que o levou a recandidatar-se, passando por cima dessa decisão..

Na memória do Natal de 2022 abre um pouco o véu da sua nova decisão, invocando um eventual desígnio divino “Deus pensa que a minha missão neste mundo ainda não terminou…Talvez Ele ainda precise de mim para a luta difícil de ajudar os sem-abrigo a encontrar um lugar divino para viver!”

E não dá qualquer justificação para uma derrota tão esmagadora no quadro de uma narrativa em que entre PC e os associados portistas era só carinho e amizade, salvo a casa do Porto de Espinho de alguns funcionários do clube que qualifica de traidores…

PC sugere que a sua derrota resultou de uma certa aliança de Villas-Boas com inimigos do Porto que poderão colocar em causa o sucesso desportivo do clube. É, aliás, a esta luz que analisa a Assembleia-Geral em que para ele os únicos culpados foram os apoiantes de VB e do próprio VB por ter ido à A-G falar acompanhado por um agente da PSP, sportinguista, um tal Dr. Agulhas, o que turvou o espírito dos associado. ”Isto foi considerado uma provocação, até porque o agente da PSP empurrou violentamente um associado que invetivou André Villas-Boas”  Regista, entretanto, que VB foi para Lisboa, não participou na A-G. ”Estava lançado o rastilho” segundo PC.

PC encarnou de tal modo a ideia de que era o único capaz de prosseguir a defesa do sucesso do FCP, que não consegue encaixar e processar a pesadíssima derrota sofrida nas eleições.

A necessidade de se socorrer da forma como era recebido no Dragão, nas casas do Porto, mostram um homem desiludido que inverte o rumo dos factos para se sentir reconfortado.

A religiosidade de PC está presente de princípio ao fim, de tal modo que chega a considerar que o FCP tem a proteção da Virgem Maria e fala de D. António Francisco, ex-Bispo do Porto e do Cardeal Américo Aguiar, Bispo de Setúbal, como testemunhos dos seus predicados religiosos.

A família é outro pilar do livro. A invocação do amor aos progenitores com mais incidência no da mãe, aos irmãos, aos filhos, aos netos, ao novo amor Cláudia Campo, depois de tantos falhanços afetivos preenchem um largo número de páginas.

São interessantes as páginas que dá a conhecer o modo como PC conheceu numa agência do Santander, Cláudia Campo, funcionária do banco, e como desenvolveu a simpatia até ao anunciado amor que os levou ao casamento

PC elogia os verdadeiros amigos e a amizade pura. Só que ao seu amigo incondicional Sérgio Conceição aplica farpas das mais violentas deste “Azul até ao fim”, responsabilizando-o pelo seu mau feitio, pelas declarações ingratas no fim do jogo Inter-Porto, pelas desastrosas contratações de José Luís, Nakajima e ainda pela imposição de SC da cláusula de contratação de 5 milhões que o levou Francisco Conceição para o Ajax…Mimos de quem tanto prega amizade e carinho.

A visão que ele tem dele próprio e do amor que lhe têm justifica a lista dos que não quer no seu funeral porque “os que o amam vão sentir-se infelizes” com essa presença. Não é por ele, é pelos que o amam…

Vale a pena meditar o que faz homens e mulheres inteligentes, uma vez no poder, sentirem-se os únicos capazes de defender os interesses da instituição que representam. Mais grave – perdem o pé e reconstroem uma outra realidade.

PC foi indiscutivelmente um dirigente desportivo acima de todos os outros com quem conviveu. Homem culto, inteligente e ladino como pôde transformar-se num homem totalmente fora do sentir dos portistas? O que lhe diziam os que o rodeavam? O que ele queria ouvir?

O livro demonstra claramente que PC é um homem preso na sua solidão, incapaz de compreender que os portistas lhe estão gratos ao que fez pelo clube, mas acham que é preciso outro rumo e, por isso, escolheram democraticamente Villas-Boas. A amargura de Pinto da Costa é mesmo amarga, daí estas Memórias…

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