Uma das características dos seres humanos é pensarem. Podem agir mediante um pensamento no fim pretendido com essa ação, desde o simples ato de colher uma rosa, enxotar uma mosca até escolher em quem votar para governar e estudar parar obter o grau académico.
Nas sociedades governadas de modo repressivo e opressivo quando essa repressão e opressão atinge níveis difíceis de suportar, como é do conhecimento histórico, os oprimidos revoltam-se.
Bertold Brecht escreveu algo luminoso sobre este fenómeno – Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem – e na verdade poder-se-á falar de situações limites de violência extrema verificadas no nosso caminho humano e que desaguaram em ações de uma violência inaudita.
Se se pudesse simplificar de um modo corriqueiro dir-se-ia que a violência gera violência.
A Faixa de Gaza com cerca de dois milhões e trezentos mil habitantes numa área de trezentos e sessenta e cinco quilómetros quadrados, constitui uma prisão a céu aberto capaz de criar um desespero absolutamente inimaginável e degradante para alguém que na sua terra vive preso e humilhado que a cada dia que passa vê os seus filhos e irmãos serem presos e torturados por terem nascido na sua bem antiga e amada pátria, Falestinia, Palestina em árabe, e que Cristo pisou.
Ademais, o direito internacional, por via das Resoluções do Conselho de Segurança, que implicaram unanimidade, consideraram que Gaza, a Cisjordânia e Jerusalém Leste são os territórios palestinianos onde deve ser instaurada a soberania de um Estado palestiniano.
Acresce que Israel não só não cumpre o determinado nas Resoluções como ocupa os Montes Golan da Síria e parte do Líbano, tendo neste país cometido um dos mais bárbaros massacres de que há memória num campo de refugiados em Sabra e Chatila, situado na periferia de Beirute, perpetrado entre 19 e 20 de setembro de 1982 com cerca de 3.500 vítimas, tendo-se distinguido nesta barbaridade Ariel Sharon, um sionista de primeira gema. Israel é um Estado fora da Lei.
Como não sentir uma mágoa a raiar a revolta aberta por não recordar por parte do Ocidente declarações de apoio à resistência libanesa e palestiniana face a esse massacre? Tudo se passou como se nada se tivesse passado, a vida de um palestiniano não vale uma dor de cabeça. As vidas humanas segundo os cristãos ocidentais que nos governam estão divididas do seguinte: a dos nossos amigos e aliados valem guerras, sanções, noticiários exasperados, consciências doridas, as dos outros não existem. Quantos milhares de vidas palestinianas assassinadas às mãos dos ocupantes israelitas são necessárias para que a diplomacia dos “valores ocidentais” seja capaz de criticar o extremista e prepotente Netanyahu, o corrupto que quer ser ele a escolher os juízes que o hão de julgar?
Quem nos garante que este ataque do Hamas não tem a ver com o seu isolamento em Israel?
Quem se esqueceu que a seguir ao 11 de Setembro Bush invadiu o Afeganistão e o Iraque?
Voltando ao princípio e à nossa capacidade de pensarmos e nessa senda recordaremos que o Hamas (Movimento de Resistência Islâmica, em árabe) foi criado em dezembro de 1987, logo após a 1ª intifada liderada pela OLP, em 09/12/1987.
Na altura fazia parte da Conferência Popular arabo-islâmica, cujo Secretário-GeraL era o famoso islamista Hasan el Tourabi, ex Presidente do Sudão, que introduziu a pena de morte por enforcamento por apostasia para todos os muçulmanos que abandonassem a religião muçulmana.
A sua criação visou contrabalançar o forte apoio da OLP nos territórios ocupados. Teve o apoio de Israel, Jordânia e Arábia Saudita e dos Irmãos Muçulmanos do Egito.
Depois do atentado de um judeu sionista contra Isac Rabin, seguido da vitória eleitoral de Netanyahu reforçando a extrema-direita em Israel, assistiu-se a um reforço constante das posições extremistas e fundamentalistas islâmicas do Hamas.
Os dirigentes israelitas apostaram na violência para conter a revolta palestiniana, o que assimetricamente levou à conquista de apoio por parte do Hamas, exatamente porque a OLP com esta política de Israel ficou sem nada para negociar; até porque Israel preferia ter do outro lado o Hamas, preterindo a OLP.
Israel e o Ocidente “engordaram” os islamistas e impediram a criação de condições para negociar um Estado palestiniano laico, democrático, mesmo limitado na dimensão.
A resistência palestiniana está numa situação tremendamente difícil e ao que parece sem saída. Vejamos.
Primeira questão: é possível obter uma vitória militar sobre Israel? Sinceramente julgamos que não vai ser possível e jogar essa carta é condenar a Palestina a agonizar muitas mais décadas.
Este enfrentamento do Hamas com Israel causou enormes danos ao ocupante, mas é muito mais fácil recompor-se do que os palestinianos que vão sofrer a crueldade dos desmandos israelitas, salvo se os palestinianos de Gaza e Cisjordânia se levantassem e se envolvessem unidos nesse propósito. Se a assim não acontecer, a luta neste terreno favorece Israel.
Segunda questão: Não sendo por via militar, que via seguir? Quando na India, Gandi enveredou pela resistência pacífica muitos se riram, mas a verdade é que veio a resultar.
Na verdade, só um movimento amplo, democrático, popular englobando todos os palestinianos nas suas diversas convicções políticas e religiosas pode ter sucesso no enfrentamento com Israel.
A experiência da luta palestiniana mostra que as diversas Intifadas não lograram o sucesso pretendido, mas será sempre tanto mais vitoriosa quanto mais ampla for e essa experiência assinalou quebras na unidade que favoreceram o ocupante israelita, designadamente entre a OLP, a Jihad e o Hamas.
Um inimigo tão poderoso quanto o Estado Israelita exigirá do movimento palestiniano uma unidade à prova da independência e de uma solidariedade internacional eficaz.
As ações terroristas do Hamas que não distingam os inimigos dos inocentes dão força aos sionistas e “justificam” a ladainha ocidental de apoio à ocupação.
O terrorismo não constitui nos seus pressupostos um movimento de libertação. O assassinato de inocentes que nada têm a ver com o poder do ocupante é um ato cruel que cava o isolamento de quem o comete e só merece a condenação.
O clássico dos clássicos revolucionários, Ullich Ulianov, teve na família vários combatentes contra o czar, incluindo o irmão mais velho, Alexander Ulianov, que tentou assassinar o czar e foi enforcado. Lenine não seguiu esse caminho.
O terrorismo na sua essência despreza o trabalho em profundidade, próximo das populações que pretende libertar; funda-se em ações que podem ter grande impacto mediático e político, mas desarticuladas da vivência das massas populares absolutamente imprescindíveis para atingir o fim da ocupação.
As ações terroristas palestinianas no passado não deram os frutos desejados, o que não significa (e se rejeita a ideia) que não se use a violência contra os ocupantes, tudo dependerá do modo e das circunstâncias. Outra coisa é programar assassinar inocentes que nada têm a ver com o poder ocupante. Tais ações só fornecem pretextos aos ocupantes para agravar a brutalidade da ocupação.
É à resistência palestiniana que cabe escolher os caminhos, mas os amigos da causa palestiniana que com ela são solidários podem pensar em voz alta. Não está escrito que a resistência tenha de ser exclusivamente de certo modo, por exemplo, através de um enfrentamento armado. Se de lado do ocupante ele dispõe de uma superioridade brutal, provavelmente o caminho por aí está fechado, mas não é o único.
Na África do Sul foi a combinação de várias formas de luta que abriu o caminho do fim do apartheid.
Em Timor-Leste foi mais útil o caminho de mobilização das massas timorenses que o da luta armada, embora a mobilização das populações viesse na sequência da luta nas montanhas de Timor Lorasae .
Combater um inimigo tão poderoso exige muita unidade e inteligência para enfraquecer e isolar os ocupantes que não são todos os israelitas, apenas a minoria que apoia a ocupação.
Exige a denúncia da hipocrisia ocidental que envia quase todo o armamento que tem para a Ucrânia e para a Palestina envia fome para os palestinianos e armas para Netanyahu, que glorifica ataques ao território russo com drones que matam civis e que considera barbaridades os drones do Hamas e promete armas aos ocupantes sionistas.
Este é o mundo em que vivemos. É triste que a vida de um jovem morto pelo Hamas numa rave seja para o Ocidente uma vida de um humano diferente dos milhares de vidas de jovens palestinianos, quando na verdade são vidas de seres humanos.
Arafat e Rabin tiveram a coragem de entregar um ao outro um ramo de oliveira. Os sionistas mataram Rabin. E perdeu-se a oportunidade. Como não acreditamos no Mito de Sísifo esperamos que o povo palestiniano se una como um bloco e enfrente a ocupação corajosamente. Se o fizer estará mais perto da vitória. O terrorismo levará à manutenção da ocupação e ao seu reforço. Nenhuma minoria desligada dos palestinianos resolverá o problema da ocupação. Ações espetaculares desligadas do movimento emancipatória não parece que conduzam à vitória. Que a Palestina conquiste o seu mais elementar e simples direito, ao de existir sem ocupação.