Num lampo o incêndio alastrou a um conjunto de bairros periféricos de Lille, Auxerre, Lyon, Marselha e Paris, como se um despertador acordasse uma camada significativa de jovens entre os treze e dezassete anos. Todos à uma a incendiar o que de certo modo representa poder central ou comunal.
As muitas e diversas análises têm um denominador comum, a morte do jovem Nahel M. de dezassete anos por um polícia que disparou à queima-roupa por não ter parado ao controlo de trânsito.
Comecemos pelo começo, deve a polícia atirar a matar numa simples operação de trânsito? Num país civilizado a polícia não atira a matar, algo está errado na França para aquele polícia atirar a matar. Algo muito profundo face ao número de disparos desta natureza.
O levantamento imediato dos bairros guetizados destas cidades mostra o peso insustentável da raiva e da ira destes jovens. O que sobressai é a revolta pura, sem que dela se retire qualquer reivindicação. Pura raiva cega.
Os ataques com morteiro de fogo de artificio são contra equipamentos sociais desde bibliotecas aos quarteis dos bombeiros passando por cantinas, pequenos comércios, viaturas de quem quer que sejam até transportes públicos. A raiva não distingue nada. Segue na esteira de outras raivas que arrasaram a França. Repete-se e amplia-se, num diagnóstico difícil. Para a debelar foram necessários mais de quarenta e cinco mil polícias bem armados, incluindo com blindados.
Não são imigrantes como proclamam as extremas direitas e algumas direitas coladas àquelas. São francesas e seus pais também, na origem magrebinos e alguns africanos. Dois grandes sindicatos da polícia chamam-lhe hordas de seres prejudiciais.
A polícia ganhou um poder acrescido no enfrentamento com o terrorismo, com os coletes amarelos e lutas sociais como as importantes manifestações contra o aumento da idade da reforma as quais se desenrolaram de modo pacífico. O poder deu-lhe autorização para atirar a matar e Nahel M. foi morto.
A França sofre há anos de uma insuportável arrogância do poder central e de uma ofensiva antissindical e antipopular para desmantelar o Estado Social e prosseguir o neoliberalismo da cartilha dogmática dos que creem nos humanos como inimigos entre si a quem tem de se reprimir para irem ao rego como os bois nos tempos da lavoura de meados do século passado.
Macron com o seu novo partido atirou o PS para a quase irrelevância. A extrema-direita medra no afundamento do Estado Social.
O poder logrando destruir as várias intermediações com as diferentes classes e camadas e grupos sociais apresenta a sua face violenta contra os que lutam contra esta marcha para o desastre coletivo de um país com a importância da França.
Se somos inimigos uns dos outros salta a extrema-direita fascizante a pedir ordem e mais ordem contra este conjunto de seres “nuisibles” , como os designam alguns sindicatos da Polícia.
Estas ações de verdadeiro vandalismo dão pretextos aos chefes dessas correntes da extrema-direita que os utilizam para dar ainda mais poder à polícia e mais pobreza aos pobres. São templos muito complexos.
Os trabalhadores e o povo franceses não são ouvidos, mas castigados por defenderem ter uma vida decente e digna. As esquerdas francesas estão enfraquecidas apesar de algum avanço da França Insubmissa de Mélenchon a quem muitos acusam de radical, atribuindo à palavra radical um significado pejorativo com vistas a desqualificá-la imediatamente.
A extrema-direita medra bem neste pântano. O isolamento social e político dos jovens destes bairros pobres e sem perspetivas ao conduzi-los a ações deste tipo cava uma barreira com vastas camadas populares que defendem melhores condições de vida para estes cidadãos que vivem mal e se sentem humilhados por serem entre os pobres os que são mandados para as suas terras, como se não fossem franceses.
Avizinham-se tempos difíceis para a França, mas não só. As políticas neoliberais de esmagamento das forças populares vai dar força aos extremistas de direita como o provam o seu avanço na Espanha, Itália, Alemanha, Áustria, países do Leste europeu e Escandinavos.
A redução da influência dos verdadeiros ideais social-democratas e socialistas cria estes vazios que os populistas da extrema-direita ocupam. Se não houver coragem para mudar o eixo, a Europa vai passar maus tempos, aliás esse tempo já chegou a alguns países. A persistência no modelo neoliberal trará no seu bojo novas catástrofes sociais.
É mais do que tempo de construir um caminho para resgatar uma vida digna, decente e humana sem nos considerarmos todos inimigos uns dos outros. É a horas das esquerdas limparem os sectarismos e construírem alternativas mobilizadoras com vista para o mar largo das gentes trabalhadoras.
“É a horas das esquerdas limparem os sectarismos”. A guerra está em curso e segundo o Papa Francisco marca o início de uma III Guerra Mundial, Os excessos policiais ocorrem também em Portugal e com o aval da Justiça, como ocorreu com o perdão judicial aos GNR que trataram emigrantes pior do que cães vadios. É tempo das direções dos partidos de esquerda refletires sobre a prática política.
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«A redução da influência dos verdadeiros ideais social-democratas e socialistas cria estes vazios que os populistas da extrema-direita ocupam.» Não será este o verdadeiro “destino” histórico da social-democracia e do chamado “socialismo” – abrir caminho à extrema-direita?
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